Quatro anos depois da tragédia socioambiental em Brumadinho (MG), a relação entre meio ambiente e mineração voltou a ser pauta durante mostra de cinema em São Paulo. O evento, que aconteceu na última semana de julho, reuniu especialistas, artistas e ativistas para ampliar o debate sobre desenvolvimento e sustentabilidade. 

A Mostra Cinema, Mineração e Meio Ambiente foi promovida pelo Instituto Camila e Luiz Taliberti (ICLT), que surgiu com o propósito de honrar a memória das 272 vítimas em Brumadinho, bem como as vidas impactadas pela mineração em todo Brasil. 

“A tragédia começou em 25 de janeiro de 2019, mas não tem data para acabar. Antes de perder minha família, eu  não tinha a dimensão dos efeitos da mineração. É por isso que o Instituto existe, para multiplicar esse conhecimento”, afirmou Helena Taliberti, mãe de Camila e Luiz, e presidente do ICLT. 

Ao longo dos quatro dias de mostra, 174 pessoas assistiram aos filmes e debates sobre mineração e meio ambiente. Além disso, o evento contou com apoio de 12 voluntários e da Nave Coletiva, sede da agência Mídia Ninja.

Confira, a seguir, os destaques da Mostra Cinema, Mineração e Meio Ambiente:

Lutos e lutas: do individual ao coletivo

No dia 26 de julho, o evento teve início com o filme “Ode ao Choro”, dirigido pela cineasta Cecília Engels. Embora tenha sido lançado em 2021, o longa foi exibido pela primeira vez em tela grande durante a Mostra Cinema, Mineração e Meio Ambiente.

Em resumo, o documentário autobiográfico  narra o luto de Cecília diante da perda de sua melhor amiga, Camila Taliberti. 

“Antes da tragédia de Brumadinho, eu evitava pensar sobre a morte. Agora, sou a primeira pessoa a começar essa discussão. Afinal, toda a experiência humana é sobre encerrar ciclos e recomeçar”, refletiu Cecília Engels na mesa “Travessias da Vida”, mediada por Helena Taliberti.

A princípio, a ideia de Cecília era apenas  documentar seu processo de luto. Depois, revisitando os registros gravados, a cineasta pensou na possibilidade de transformá-los em um documentário. 

“Certamente, o filme  amplia a capacidade de reflexão sobre um tema universal: o luto. Ao assistir o documentário, o espectador encontra suas próprias perdas e possibilidades de elaboração”, acrescentou a psicanalista Carla Belintani, cofundadora da Casa Frida.

Ao longo do debate, a psicanalista também ressaltou o papel curativo da arte, especialmente para casos como de Cecília e Helena, que usam suas vivências para simbolizar um luto coletivo.

Foto das três palestrantes da primeira mesa de debate da Mostra Cinema, Mineração e Meio Ambiente. Da equerda para a direita, temos: Carla Belintani, Helena Taliberti e Cecília Engels. Helena, mediadora do debate, segura o microfone.

Carla Belintani, Helena Taliberti e Cecília Engels debatem sobre luto e arte na mesa “Travessias da Vida”.

Onde assistir?

O filme “Ode ao Choro” está disponível gratuitamente no YouTube. Confira!

Mulheres e Mineração: histórias de resistência

No segundo dia de mostra, a atenção se voltou para a estreia do documentário “A Ilusão da Abundância”, dirigido por Érika Gonzalez e Matthieu Lietaert.  O longa-metragem conta a história de três mulheres latino-americanas que dedicam a vida à defesa de suas terras. 

Assim como no filme, a mesa “Mulheres, Mineração e Meio Ambiente” reuniu três ativistas para conduzir o debate após a exibição. Definitivamente, o destaque foi dado ao  panorama político em torno da mineração no Brasil.

“Enquanto as conferências discutem soluções verdes,  e as empresas continuam violando direitos, as mulheres  aprendem a usar corpo e voz para defender suas terras diariamente”, reforça Carolina de Moura, uma das protagonistas do documentário.

Entretanto, o machismo estrutural e a pressão das mineradoras são obstáculos para  a articulação em rede. A jornalista Carolina Linhares, presente na mesa, revelou que apenas 60 das 272 vítimas de Brumadinho eram mulheres. Ou seja, a região ganhou muitas viúvas.

Além de sofrerem a perda dos maridos e dos bens, as “Viúvas da Vale”  são repreendidas caso decidam se manifestar ou recomeçar a vida. “Aliás, lutar contra a mineração em Minas Gerais é atacar a principal atividade econômica da região”, explica a jornalista.

Apesar da complexidade do cenário, as três ativistas concordaram quanto à corresponsabilidade na causa socioambiental nos próximos anos.

“Estamos na década da restauração dos ecossistemas. Como sociedade civil, precisamos criar vínculos para que a causa ambiental mobilize a juventude e traga a renovação que esperamos”, concluiu a mediadora Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas do SOS Mata Atlântica.

Foto das três palestrantes da segunda mesa de debate da Mostra Cinema, Mineração e Meio Ambiente. Da esquerda para a direita, temos: Carolina de Moura, Malu Ribeiro e Carolina Linhares. Malu, mediadora da mesa, segura o microfone.

Carolina de Moura, Malu Ribeiro e Carolina Linhares debatem sobre política e gênero no segundo dia da Mostra Cinema, Mineração e Meio Ambiente.

Onde assistir?

O filme colombiano “A Ilusão da Abundância” estreou no Brasil durante a Mostra Cinema, Mineração e Meio Ambiente. Confira o trailer aqui!

Poesia e política: pertencer é (re) existir 

Após a exibição do filme “Lavra” de Lucas Bambozzi, a plateia ponderou sobre o destino da protagonista na mesa “Máquina do Mundo”. O filme narra a história de Camila, uma geógrafa que retorna à terra natal  arruinada por desastres ambientais.

Embora a personagem seja  fictícia, o pano de fundo do filme traz pesquisas e retratos crus de Mariana e Brumadinho (MG). Ao entrar em contato com esse cenário, Camila passa a se sentir responsável por encontrar uma solução.

“Da mesma forma, queríamos despertar no espectador um senso de pertencimento. Para isso, buscamos na ficção uma maneira de estampar a realidade como uma espécie de convite”,  explicou o diretor Lucas Bambozzi. 

Em complemento, o professor de literatura, José Miguel Wisnik, enfatizou a relação inseparável entre a política e a poesia. “Palavras de ordem são vitais para a resistência, mas só a poesia é capaz de transformar uma dor coletiva em uma experiência íntima”.

Aliás, toda a conversa girou em torno da poesia e do pertencimento, ligando Carlos Drummond de Andrade, Camões, Dante Alighieri e Goethe à lógica global de desenvolvimento e de (re) existência. 

“No Brasil, enfrentamos dois inimigos: o agronegócio e a mineração. Eles não desaparecerão, mas cabe a nós expor os danos e buscar soluções melhores”, finalizou o historiador Luiz Marques, mediador da terceira mesa da Mostra.

Foto dos três palestrantes da terceira mesa de debate da Mostra Cinema, Mineração e Meio Ambiente. Da esquerda para a direita: Lucas Bambozzi, Luíz Marques e José Miguel Wisnik. Luíz Marques, mediador da mesa, segura o microfone.

Lucas Bambozzi, Luíz Marques e José Miguel Wisnik debatem sobre poesia, política e mineração na mesa “Máquina do Mundo”.

Onde assistir?

O filme “Lavra” está disponível na Claro TV. Confira!

Baseado em fatos: o crime se renova

Após percorrer festivais internacionais, “O Lugar Mais Seguro do Mundo” foi escolhido para fechar a Mostra Cinema, Mineração e Meio Ambiente. Dirigido pelas jornalistas Aline Lata e Helena Wolfenson, o documentário narra a história de Marlon e Ricardo, vítimas da tragédia ambiental em Mariana (MG).

“Definitivamente, o filme surge da relação que construímos com os dois. Com eles, aprendi a ver uma comunidade onde só havia lama. Acima de tudo, transformei o conceito que tinha de casa”, compartilhou Aline Lata na mesa “Vidas Rompidas”.

Assim como os protagonistas do filme, milhares de pessoas ainda  lutam para reerguer lares, comunidades e costumes após o desastre causado pela mineração.

“Engenheiros da Samarco afirmavam que a maior barragem da América Latina era segura. Mesmo assim, Bento Rodrigues foi destruído. Oito anos se passaram, e minha família segue lutando pelo direito de ser reconhecida como atingida”, relatou Marlon Silva, protagonista do documentário.

Expulso de sua comunidade e cansado de ver situações semelhantes em outras cidades, Marlon se mudou de Minas Gerais. Agora, vive na zona rural de Sergipe, criando gado e vendendo leite. Ele visita a família e o antigo vilarejo nos feriados.

“A relação urbana com o território é diferente, vemos mudanças na paisagem o tempo todo. Enquanto isso, a família de Marlon retorna ao vilarejo destruído todo fim de semana”, acrescentou a fotógrafa Helena Wolfenson.

Após a discussão, a ativista Júlia Neiva resumiu a relevância do filme e do debate promovido pela mostra.”Apesar do mundo ainda depender da mineração economicamente, já existem alternativas ao modelo atual. Para construir um futuro melhor, relembrar Mariana e Brumadinho é essencial”, concluiu a mediadora, cofundadora da Conectas Direitos Humanos.

Os produtores do filme "O Lugas Mais Seguro do Mundo" se juntam à ativista Júlia Neiva e ao protagonista Marlon Silva em uma foto durante a Mostra Cinema, Mineração e Meio Ambiente.

Os produtores e protagonista de “O Lugar Mais Seguro do Mundo” após debate na mesa “Vidas Rompidas”. Da esquerda para a direita: Eduardo Resing, Érico Toscano, Aline Lata, Helena Wolfenson, Júlia Neiva e Marlon Silva.

Onde assistir?

Confira o  trailer do filme “O Lugar Mais Seguro do Mundo”.

Em memória das vítimas da mineração

Durante a Mostra Cinema, Mineração e Meio Ambiente, o Instituto Camila e Luiz Taliberti  também lançou o mini-documentário “Memorial Vivo”. Resultado da parceria com a SOS Mata Atlântica, o curta-metragem honra a memória das 272 vítimas da tragédia em Brumadinho (MG). Cada vida foi representada por uma muda, plantada em um memorial aberto para visitação. Assista ao documentário completo aqui!