Por meio das obras de artistas visuais e mesas de conversas, a exposição evidenciou as consequências da mineração na sociedade e no meio ambiente

No último final de semana de fevereiro, a Matilha Cultural, localizada no centro de São Paulo, foi palco do encerramento da exposição “Paisagens Mineradas”. Com curadoria do Instituto Camila e Luiz Taliberti (ICLT) e da artista e pesquisadora Isadora Canela, a exposição reuniu trabalhos de dez artistas visuais mulheres que tratam do tema mineração e seus impactos na sociedade e no meio ambiente. 

Uma série de atividades foi reunida numa experiência única para os participantes, como a exibição dos filmes “Água Rasa” de Dani Drumond e “O Vazio que Atravessa” de Fernando Moreira, juntamente com a performance “Evocação ao Rio”, da artista visual Lis Haddad, que vem costurando o nome das 291 vítimas de Mariana e de Brumadinho em um tecido 124 metros, em referência aos 124 km que separam as duas cidades.

Além disso, rodas de conversa na abertura e no encerramento do evento promoveram um diálogo construtivo e reflexivo sobre os cinco anos após a tragédia de Brumadinho. As discussões destacaram as implicações da mineração, suas ramificações na sociedade e a urgência de legislações adequadas no setor.

“Mas o que eu acho que posso deixar aqui é uma fala para o futuro, que estamos tendo na conversa de hoje, é que todos nós podemos fazer alguma coisa, podemos conversar com o vizinho, podemos, nas nossas áreas de atuação, tentar mobilizar. Eu, por exemplo, sou jornalista e sempre trabalhei em televisão. Acho que o que pude fazer foi isso, doar o meu trabalho, não recebi nada para fazer o documentário. E talvez seja o trabalho da minha vida, sabe? É algo que realmente me toca e me emociona muito”, relata Fernando Moreira, jornalista e diretor do filme “O vazio que atravessa”.

Durante a última mesa, “5 anos depois: futuros possíveis”, o jornalista se juntou à Alexandra Andrade, diretora da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (Avabrum) e à advogada Anna Paula Lopes, uma das diretoras jurídicas do escritório Hotta Advocacia, que lidera as estratégias relacionadas ao direito brasileiro na ação indenizatória proposta contra a TÜV SÜD Ag na Alemanha, em razão do rompimento da barragem de Brumadinho. Foram abordados os acontecimentos desses últimos cinco anos e as medidas a serem tomadas daqui para frente, destacando a necessidade de lutar pela responsabilização dos envolvidos e manter o processo em destaque.

“A Tüd Suv brasileira forneceu, para a Vale, um laudo de funcionamento da barragem. Porém, a subsidiária daqui recebia orientações dos executivos na Alemanha”, explica a advogada Anna Paula. Ela explicou que o escritório tem como objetivo impedir que tragédias como essas se repitam e também buscar uma justa reparação para os familiares e os atingidos. “A reparação de outros desastres dessa escala no exterior é bem diferente das que são operadas aqui. As vidas ceifadas no exterior não devem ter mais valor do que as ceifadas aqui.”

A presidente do ICLT, Helena Taliberti, foi quem coordenou a roda de conversa, na Matilha Cultural, em São Paulo. “Somos as vozes daqueles que foram silenciados. Só nós sabemos o que temos sofrido desde que aconteceu. Isso faz parte da luta que travamos desde 2019, mas também integra nosso futuro, pois as batalhas ainda estão aí, não foram finalizadas”, relata Alexandra, diretora da Avabrum.

Outras conversas sobre paisagens mineradas

Ainda em janeiro, os participantes compartilharam suas perspectivas sobre o tema do “Greenwashing na era da propaganda”. O foco esteve na maneira como grandes empresas se apropriam desse conceito para distorcer a ideia de sustentabilidade, visando ampliar seus próprios lucros. 

Na segunda mesa, foi abordado o tema “Tragédia Poética”, sob a convicção de que a arte presente na exposição traz consigo um alerta sobre o significado associado à questão da mineração. Na discussão, os convidados analisaram as ações da Vale, que busca adotar a abordagem do distanciamento, tentando conferir à situação uma aura ficcional. No entanto, o vazio resultante dessa tragédia é inegavelmente real.

A exposição e todas as atividades realizadas ao longo do “Mês da Memória” pelo ICLT buscam manter viva a memória das 272 pessoas que perderam a vida na tragédia, que continua a infligir sofrimento aos familiares das vítimas. Juntos, os curadores e convidados do evento lutam pela responsabilização dos envolvidos, assim como maior respeito e fiscalização nas atividades mineradoras.

 

Sobre o Instituto Camila e Luiz Taliberti

Constituído em 2019, o Instituto é uma entidade sem fins lucrativos, fundado em homenagem aos irmãos  Camila e Luiz Taliberti, vítimas fatais do rompimento da barragem em Brumadinho, Minas Gerais. Criado por familiares e amigos e presidido por Helena Taliberti, mãe das vítimas, o Instituto luta por justiça, para que a tragédia jamais seja esquecida e para que não se repita, como forma de honrar a memória das 272 vidas ceifadas.

Inspirada no legado de Camila e Luiz, a entidade tem como missão a defesa dos direitos humanos por meio de duas vertentes principais: a proteção do meio ambiente e o empoderamento de grupos em situações de vulnerabilidade, especialmente mulheres.