A Lei Maria da Penha, sancionada em 7 de agosto de 2006, representa um marco significativo na proteção e promoção dos direitos das mulheres no Brasil.
Reconhecida internacionalmente como uma das legislações mais avançadas no combate à violência doméstica e familiar, essa lei foi criada em resposta à luta incansável de Maria da Penha Maia Fernandes, uma mulher que enfrentou 23 anos de agressões e tentativas de homicídio por parte de seu então marido, até ficar paraplégica em 1983 após ser atingida por um disparo de arma de fogo.
Ele ainda tentou assassiná-la por afogamento e eletrocussão, mas só foi condenado após 19 anos de julgamento, cumprindo apenas dois anos em regime fechado.
A morosidade do sistema judiciário brasileiro em punir o agressor levou Maria da Penha a buscar justiça por parte da Comissão Internacional de Direitos Humanos, resultando em uma condenação internacional do Brasil por negligência e omissão no combate à violência contra a mulher.
A Lei Maria da Penha, que alterou o Código Penal, impõe a prisão em flagrante ou preventiva de agressores de mulheres no contexto doméstico e familiar, impedindo que sejam punidos com penas alternativas, como o pagamento de cestas básicas, uma prática comum na época.
A Lei Federal 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, trouxe mudanças fundamentais ao tratar a violência doméstica como crime e fortalecer o sistema de proteção às mulheres.
Ela não apenas tipifica diversas formas de violência, como física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, mas também estabelece medidas protetivas de urgência e cria varas especializadas para o atendimento às vítimas.
A legislação foi um avanço indispensável na luta contra a violência de gênero, promovendo uma mudança no judiciário e na sociedade brasileira, ao reconhecer as mulheres como sujeitas de direitos e ao estabelecer mecanismos legais robustos para sua proteção.
Este artigo tem como objetivo detalhar a importância da Lei Maria da Penha, seu impacto na sociedade brasileira e a necessidade contínua de sua aplicação rigorosa para garantir a segurança e os direitos das mulheres.
Ao abordar a violência contra mulher e as implicações dessa legislação, pretendemos não apenas informar, mas também inspirar uma reflexão crítica sobre a importância de manter essa luta viva, engajando a sociedade na proteção dos direitos humanos e no empoderamento de mulheres em situações de vulnerabilidade.
Todos os dias, uma mulher perde a vida simplesmente por ser mulher. (Fonte: Elas vivem).
Os direitos das mulheres são uma extensão dos Direitos Humanos, especificamente direcionados para proteger e promover a igualdade de gênero. Essas garantias surgiram da necessidade de reconhecer as desigualdades históricas e sociais enfrentadas pelas mulheres em todo o mundo.
Conquistas como a Lei Maria da Penha são resultado de um processo contínuo de lutas sociais e políticas. Movimentos feministas ao redor do mundo têm sido fundamentais para denunciar as desigualdades e violências enfrentadas pelas mulheres.
Quais são os impactos da violência na vida da mulher?
A violência afeta profundamente a vida das mulheres em diversas esferas, comprometendo não apenas a saúde física, mas também a mental e emocional, além de restringir o acesso a oportunidades e perpetuar ciclos de desigualdade e discriminação.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as vítimas frequentemente desenvolvem transtornos como depressão, ansiedade e estresse pós-traumático. Esses distúrbios psicológicos são muitas vezes acompanhados por sentimentos de culpa, vergonha e baixa autoestima, que limitam a capacidade dessas mulheres de se desenvolverem plenamente em suas vidas pessoais e profissionais.
Além disso, as consequências físicas da violência, como lesões graves, dores crônicas e infecções, incluindo a transmissão do HIV, representam uma ameaça constante à saúde e ao bem-estar das mulheres.
A violência durante a gravidez, por exemplo, pode resultar em complicações obstétricas graves, incluindo abortos espontâneos, partos prematuros e baixo peso do recém-nascido, comprometendo a saúde tanto da mãe quanto do bebê.
O medo constante de novas agressões pode levar ao isolamento social, limitando as interações das mulheres com amigos, familiares e colegas de trabalho, o que agrava ainda mais sua vulnerabilidade e dependência. Esse isolamento não apenas priva as mulheres de uma rede de apoio essencial, mas também perpetua o ciclo de violência, dificultando ainda mais a busca por ajuda e a denúncia dos agressores.
A violência de gênero e suas raízes históricas
Luiza Bairros, doutora em Sociologia pela Universidade de Michigan diz: “Não é a violência que cria a cultura, mas é a cultura que define o que é violência. Ou seja, é a cultura da própria comunidade que vai aceitar violências em maior ou menor grau a depender do ponto em que nós estejamos enquanto sociedade humana, do ponto de compreensão do que seja a prática violenta ou não.”
Para compreender plenamente a violência de gênero, é necessário retornar às origens dessas dinâmicas opressivas, que moldaram e continuam a influenciar as relações entre homens e mulheres em todo o mundo.
O patriarcado, sistema social em que o poder é dominado pelos homens, está no centro da violência de gênero. Ao longo da história, a estrutura patriarcal tem sido a base sobre a qual as sociedades se organizam, perpetuando uma hierarquia de gênero que coloca as mulheres em uma posição subalterna.
Essa forma de organização social não apenas legitimou a dominação masculina, mas também institucionalizou práticas violentas contra as mulheres.
No contexto brasileiro, o patriarcado ganhou contornos específicos durante a colonização. As mulheres brancas eram submetidas a casamentos arranjados desde a adolescência, sem direito à educação ou autonomia financeira.
Elas eram vistas como propriedades dos homens, destinadas a cuidar do lar e reproduzir a estrutura familiar. Paralelamente, as mulheres negras e indígenas foram brutalmente exploradas, escravizadas e violentadas, servindo como objetos de prazer para os colonizadores.
Essa dinâmica colonial não apenas reforçou a subjugação das mulheres, mas também criou uma cultura de violência que se perpetua até os dias atuais.
A mentalidade de posse sobre os corpos femininos, instaurada durante a colonização, ainda ressoa na sociedade contemporânea, manifestando-se em práticas de violência doméstica, assédio sexual e feminicídio.
A participação de movimentos sociais e feministas na luta pela criação da Lei Maria de Penha
Desde a década de 1970, o movimento feminista brasileiro tem desempenhado um papel fundamental para a criação da Lei Maria da Penha.
A trajetória de luta começou a ganhar força nas ruas, nas universidades, nos sindicatos e em espaços de discussão coletiva, onde o lema “Quem ama não mata” emergiu como um grito de resistência.
Essa frase emblemática, criada pelo movimento feminista, trouxe a necessidade urgente de encarar a violência contra as mulheres não apenas como um problema privado, mas como uma grave questão de saúde pública e de violação dos direitos humanos.
Nos anos 1980, a pressão exercida por esses movimentos resultou em uma conquista significativa: a criação da primeira delegacia especializada no atendimento a mulheres vítimas de violência.
Esse avanço, embora importante, era apenas o começo de uma longa jornada. As mulheres continuaram a se mobilizar, organizando seminários, debates e campanhas que exigiam uma legislação específica e eficaz para proteger as mulheres.
Contudo, a representatividade feminina no Congresso ainda era limitada, o que dificultava a criação de leis que priorizassem a causa.
A década de 1990 foi marcada por uma intensificação dessas mobilizações, que culminou na formação de um consórcio de ONGs feministas em 2002. Esse grupo, composto por seis organizações não governamentais, tinha como objetivo desenvolver uma lei integral de combate à violência doméstica e familiar contra as mulheres.
As feministas compreenderam que a Lei, vigente à época, não era suficiente, pois tratava a violência doméstica como um crime de menor potencial ofensivo.
A partir desse consórcio, estudos detalhados foram conduzidos, contando com a colaboração de especialistas, representantes do governo, do movimento feminista e da sociedade civil.
Esses estudos analisaram legislações internacionais e instrumentos de direitos humanos elaborados pela Organização das Nações Unidas (ONU), oferecendo uma base sólida para a construção de uma nova legislação no Brasil.
Em 2003, durante um seminário realizado na Câmara dos Deputados, os resultados dos estudos foram apresentados, criando uma oportunidade-chave para o diálogo entre a bancada feminina e a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM).
A ministra da SPM na época, sensibilizada pela proposta, comprometeu-se a encaminhar o projeto de lei adiante.
Esse compromisso levou à criação do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) em 2004, que teve como objetivo desenvolver uma proposta de medida legislativa eficiente no combate à violência doméstica contra a mulher, utilizando como referencial os estudos do consórcio.
A participação ativa da sociedade civil, especialmente das ONGs feministas, foi essencial no processo de formulação dessa nova legislação. Ao longo de 2004 e 2005, ocorreram audiências públicas em diversos estados brasileiros, onde a sociedade pôde discutir o projeto de lei.
Em 2006, o projeto foi finalmente aprovado e sancionado pelo presidente da República, dando origem à Lei Maria da Penha.
A Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, foi sancionada em um contexto de adoção de diversas medidas internacionais voltadas para a proteção das mulheres e sua criação atendeu às recomendações da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Essa legislação não apenas estabeleceu medidas protetivas para as mulheres, como também redefiniu a abordagem do sistema jurídico brasileiro em relação à violência doméstica, reconhecendo-a como uma grave violação dos direitos humanos.
Portanto, a participação dos movimentos sociais e feministas foi fundamental para a criação da Lei Maria da Penha.
A luta incansável desse grupo trouxe visibilidade a um problema que durante muito tempo foi negligenciado pelo Estado e pela sociedade e resultou em uma legislação que hoje é reconhecida internacionalmente como um exemplo na defesa dos direitos das mulheres.
Definição e objetivo principal da lei
A Lei Maria da Penha é um mecanismo legal estabelecido para implementar medidas protetivas de urgência no combate à violência doméstica contra mulheres.
O objetivo principal da Lei Maria da Penha é proporcionar uma resposta efetiva e rigorosa contra a violência doméstica, garantindo que as penalidades para os agressores sejam mais severas e, acima de tudo, assegurando que as mulheres não fiquem desprotegidas.
A lei visa não apenas punir os agressores, mas também prevenir novos atos de violência e proteger as vítimas, oferecendo a elas um caminho para uma vida livre de agressões e abusos.
Em termos práticos, a Lei Maria da Penha estabelece um conjunto de medidas protetivas de urgência que podem ser aplicadas rapidamente para salvaguardar as mulheres em situações de risco.
Entre essas medidas, estão o afastamento do agressor do lar, a proibição de contato com a vítima e a suspensão da posse ou restrição do porte de armas por parte do agressor.
É importante destacar que a proteção oferecida pela lei não se limita apenas a mulheres que coabitam com o agressor. A legislação abrange todas as mulheres que sofrem violência doméstica, independentemente de haver convivência com o agressor.
Isso significa que a lei também protege mulheres em relações onde não há coabitação, como no caso de ex-namorados, ex-maridos ou ex-conviventes em união estável, desde que haja ou tenha havido um vínculo emocional entre a vítima e o agressor.
Além disso, a Lei Maria da Penha é inclusiva em sua aplicação, garantindo que mulheres em relações homossexuais também possam buscar proteção sob a legislação.
Tipos de violências sofridas pelas mulheres
Violência psicológica: agressão Invisível, impacto real
A violência psicológica é uma das formas mais traiçoeiras de agressão contra a mulher. Trata-se de atos e palavras que abalam sua autoestima, limitam suas decisões e a isolam socialmente.
Esse tipo de violência pode ser sutil, disfarçado de cuidado ou preocupação, mas sempre visa controlar a mulher, restringindo sua liberdade e autonomia.
Atitudes como humilhações, chantagens, vigilância constante, ameaças e ofensas são comuns. Em muitos casos, a mulher começa a duvidar de si mesma, o que a afasta ainda mais de buscar ajuda.
Um termo relevante nesse contexto é o gaslighting, uma forma de manipulação psicológica onde o agressor distorce informações, fazendo com que a mulher questione sua própria sanidade, memória e percepção da realidade.
É um abuso que mina a confiança da mulher em si mesma, perpetuando um ciclo de dominação e submissão.
Violência física: agressões visíveis e traumáticas
A violência física é talvez a forma mais visível de agressão contra a mulher, abrangendo desde empurrões e puxões de cabelo até espancamentos e tortura.
As marcas deixadas no corpo são evidentes, mas as cicatrizes psicológicas podem ser ainda mais profundas. Muitas mulheres vivem com medo constante, inseguras para denunciar seus agressores, receosas de não serem acreditadas ou de sofrerem represálias.
As consequências físicas dessa violência incluem hematomas, fraturas e até a perda da vida.
O impacto na saúde mental é devastador, levando ao isolamento e à perda de confiança nas relações sociais e familiares.
Feminicídio: o crime máximo de ódio contra a mulher
O feminicídio é o assassinato de uma mulher simplesmente por ela ser mulher. Geralmente relacionado à violência doméstica ou ao menosprezo pela condição feminina.
No Brasil, a Lei 13.104, conhecida como Lei do Feminicídio, reconhece esse crime como hediondo, destacando sua gravidade e a necessidade de punição rigorosa.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, 35% dos homicídios de mulheres no mundo são cometidos por parceiros.
Esses dados alarmantes reforçam a urgência de políticas públicas eficazes para a proteção das mulheres e a conscientização da sociedade sobre a importância de denunciar e combater esse tipo de violência.
Violência sexual: violação do corpo feminino
A violência sexual é um grave abuso dos direitos humanos, caracterizado por atos ou tentativas de relação sexual sem o consentimento da mulher, muitas vezes acompanhados de coação ou violência.
Esse tipo de violência inclui o estupro, o abuso sexual e o assédio, podendo ser perpetrado por desconhecidos ou pessoas próximas à vítima.
Estudos revelam que a maioria dos casos de estupro é cometida por pessoas conhecidas da vítima, o que agrava o trauma e o sentimento de vulnerabilidade.
Além disso, a violência sexual pode envolver a proibição do uso de anticoncepcionais, obrigando a mulher a uma gravidez indesejada.
Violência doméstica: agressão dentro do lar
A violência doméstica abrange todas as formas de violência mencionadas anteriormente, ocorrendo no ambiente familiar, onde a mulher deveria se sentir segura e protegida.
Essa violência pode acontecer em qualquer fase da vida, desde a infância até a velhice, e é frequentemente silenciada pelo medo de retaliação ou pela dependência emocional e financeira do agressor.
Medidas protetivas de urgência: o que são e como funcionam
A Lei Maria da Penha trouxe inúmeras inovações e ferramentas de proteção para mulheres vítimas de violência, sendo as Medidas Protetivas de Urgência (MPU) uma das mais significativas.
As MPUs têm como principal objetivo romper o ciclo de violência que muitas mulheres enfrentam em suas casas, protegendo-as de forma imediata contra agressões físicas, morais, psicológicas, sexuais e patrimoniais. Essas medidas são acionadas em situações de emergência e têm a finalidade de resguardar a integridade física e emocional da vítima.
A mulher que se encontra em situação de violência pode recorrer às MPUs de diversas maneiras. Ela pode procurar a Delegacia da Mulher ou qualquer delegacia de Polícia Civil para registrar a ocorrência. Além disso, há a possibilidade de realizar a denúncia por meio do site da delegacia eletrônica ou pelo telefone Disque 197.
Em alguns casos, a vítima pode ainda recorrer diretamente ao Ministério Público ou aos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para solicitar a medida protetiva.
É importante destacar que a mulher não precisa estar acompanhada de um advogado ou uma advogada para fazer o pedido. Após a solicitação, a legislação prevê que o juiz ou a juíza tenha até 48 horas para decidir sobre a concessão da medida.
As medidas protetivas podem variar de acordo com a gravidade da situação e as necessidades específicas da vítima. Entre as principais ações que podem ser determinadas pelo juiz, estão:
- Suspensão da posse ou restrição do porte de armas: caso o agressor possua alguma arma, ele pode ser impedido de mantê-la, visando evitar qualquer risco de violência armada contra a vítima.
- Afastamento do lar ou local de convivência com a vítima: o agressor pode ser obrigado a deixar o ambiente compartilhado com a vítima, garantindo a segurança dela no espaço onde reside ou frequenta.
- Proibição de aproximação: é comum que o agressor seja proibido de se aproximar da vítima, de seus familiares e testemunhas, com a delimitação mínima de distância.
- Proibição de contato: o agressor pode ser impedido de entrar em contato com a vítima por qualquer meio, seja presencialmente, por telefone ou pelas redes sociais.
Outras medidas incluem a proibição de frequentar determinados lugares, a restrição ou suspensão de visitas aos filhos menores e a obrigatoriedade do agressor participar de programas de reeducação.
Se o agressor desrespeitar as medidas protetivas, é fundamental que a vítima ou qualquer pessoa próxima, como amigos, familiares ou vizinhos, comunique imediatamente a violação às autoridades.
A Polícia Militar pode ser acionada pelo telefone 190 e é possível registrar a denúncia na delegacia mais próxima ou diretamente no Ministério Público.
O descumprimento das medidas é considerado crime e pode resultar na prisão preventiva do agressor, além de outras sanções previstas em lei.
O papel do Ministério Público e do Poder Judiciário
O Ministério Público é identificado pela Lei Maria da Penha como uma das instituições responsáveis por atuar tanto na esfera judicial quanto extrajudicial.
Sua atuação abrange uma série de atribuições que visam a proteção e a garantia dos direitos das mulheres em situação de violência.
Entre suas responsabilidades estão a intervenção em causas cíveis e criminais decorrentes de violência doméstica, a requisição de força policial e de serviços públicos essenciais, como saúde, educação e assistência social, além da fiscalização dos estabelecimentos que atendem mulheres vítimas de violência.
Essas medidas são fundamentais para garantir que as vítimas recebam o apoio necessário e que as instituições cumpram seu papel na proteção dessas mulheres.
No âmbito administrativo, o Ministério Público também possui atribuições importantes. Ele tem o dever de requisitar os serviços públicos necessários para a proteção das mulheres em situação de violência e fiscalizar as entidades responsáveis pelo atendimento dessas vítimas.
Para assegurar o cumprimento dessas obrigações e uniformizar a atuação dos promotores de Justiça em todo o país, foi criada a Comissão Permanente de Promotores da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Copevid), que faz parte do Grupo Nacional de Direitos Humanos (GNDH), sob a coordenação do Conselho Nacional de Procuradores Gerais de Justiça.
Essa comissão tem um papel essencial na promoção de diretrizes e no fortalecimento das ações de combate à violência doméstica, garantindo que o Ministério Público atue de maneira eficaz e coordenada em defesa das mulheres.
O Poder Judiciário também desempenha uma função fundamental na aplicação da Lei Maria da Penha. A criação de varas especializadas em violência doméstica e familiar contra a mulher, a capacitação de magistrados e servidores para lidar com casos de violência de gênero e a implementação de medidas protetivas são exemplos de sua atuação.
Centros de atendimento e apoio às vítimas de violência doméstica
No Brasil, essa estrutura é composta por diversos centros especializados que desempenham um papel importante na proteção, no acolhimento e na recuperação de pessoas em situação de vulnerabilidade.
Esses espaços não só oferecem suporte imediato como também promovem o empoderamento e a autonomia dessas mulheres, permitindo que elas possam reconstruir suas vidas com dignidade e segurança.
Segurança pública: primeira linha de defesa
As Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) são um exemplo primordial de como a segurança pública se organiza para proteger as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.
Essas unidades da Polícia Civil realizam ações preventivas e repressivas, além de expedir medidas protetivas de urgência, garantindo uma resposta rápida e eficaz diante de situações de perigo.
Outro ponto importante é a atuação da Polícia Militar, que frequentemente realiza o primeiro atendimento em situações de violência, encaminhando as vítimas para os serviços adequados.
Além disso, o Instituto Médico Legal (IML) desempenha um papel fundamental na coleta de provas para processos judiciais, especialmente em casos de violência física e sexual.
Assistência social: acolhimento e empoderamento
A assistência social também é uma peça-chave na rede de apoio às vítimas. Centros Especializados de Atendimento à Mulher e os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) oferecem acolhimento psicológico, social e jurídico, fundamentais para que as vítimas possam superar o trauma e reconstruir suas vidas.
Já os Centros de Referência Especializados em Assistência Social (CREAS) focam no apoio a famílias e indivíduos que enfrentam ameaças ou violações de direitos, oferecendo um atendimento especializado e monitoramento contínuo dos casos.
Os Centros de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) promovem a integração social e o fortalecimento das relações familiares e comunitárias, por meio de atividades que vão desde oficinas artísticas até esportes, oferecendo um espaço seguro e de suporte para diversas populações vulneráveis.
Casas de acolhimento: refúgio e reconstrução
Para as vítimas que necessitam de um refúgio imediato, as casas-abrigo e as Casas de Acolhimento Provisório oferecem um espaço seguro e protegido. As casas-abrigo são destinadas a mulheres em risco de morte iminente, garantindo-lhes não apenas segurança, mas também todo o suporte necessário para a reorganização de suas vidas.
Já as Casas de Acolhimento Provisório atendem mulheres em situação de violência que não estão sob risco iminente, mas que necessitam de um abrigo temporário para se proteger e buscar apoio jurídico e psicológico.
Saúde: cuidado integral às vítimas
A rede de saúde também se destaca no atendimento às vítimas de violência. Serviços de saúde geral e especializados, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), prestam assistência médica, psicológica e social a pessoas que sofreram violência, com um enfoque especial naquelas que enfrentaram violência sexual.
Além disso, os CAPS oferecem acompanhamento clínico e apoio à reinserção social, essencial para que as vítimas possam retomar suas vidas de maneira plena.
Justiça: acesso e garantia de direitos
No âmbito da justiça, os Juizados especializados de violência doméstica e familiar contra a mulher e as Promotorias especializadas atuam na defesa dos direitos das vítimas, assegurando que os agressores sejam responsabilizados e que as vítimas recebam o amparo legal necessário.
As Defensorias Públicas, por sua vez, garantem que todas as mulheres, independentemente de sua condição econômica, tenham acesso à justiça e à orientação jurídica adequada.
Em situação de emergência, disque 180.
Desafios e limitações na aplicação da lei
Apesar das conquistas, a aplicação plena e eficaz da lei enfrenta inúmeros desafios que precisam ser superados para que a proteção às mulheres seja universal e efetiva.
Um dos principais desafios é a disparidade na implementação de instituições especializadas em violência contra a mulher entre cidades de grande e pequeno porte.
Em grandes centros urbanos, especialmente na região Sudeste, as mulheres têm maior acesso a delegacias especializadas, casas de acolhimento e equipes multidisciplinares de apoio.
Entretanto, em cidades do interior e em regiões rurais, esse acesso é significativamente reduzido, o que limita a efetividade da Lei Maria da Penha para muitas mulheres que vivem nessas áreas.
Essa desigualdade geográfica na oferta de serviços especializados coloca em risco a segurança e o bem-estar de milhares de mulheres, destacando a necessidade de políticas públicas que assegurem a universalidade do atendimento.
Pesquisas apontam que a implementação da lei teve um impacto paradoxal na dinâmica da violência contra a mulher.
Enquanto houve uma retração na violência e nos homicídios de mulheres nas capitais, o interior do país viu uma expansão desses índices.
Isso pode ser atribuído tanto a um aumento nas denúncias de violência quanto à melhor implementação da lei em regiões que anteriormente careciam de suporte adequado.
Portanto, a elevação nas estatísticas não necessariamente indica um aumento da violência em si, mas sim uma maior conscientização e utilização dos mecanismos de proteção oferecidos pela lei.
Outro obstáculo é a falta de preparo de alguns policiais e magistrados para acolher as vítimas de violência de maneira adequada e sensível.
A formação e a capacitação desses profissionais são essenciais para garantir que as mulheres em situação de vulnerabilidade sejam atendidas com o respeito e a atenção que merecem.
Além disso, a redução expressiva dos repasses de verbas do Governo Federal para a execução de medidas preventivas de violência contra a mulher compromete a continuidade e a expansão dos serviços essenciais para a proteção das vítimas.
É necessário reconhecer que, embora a Lei Maria da Penha tenha sido um avanço, sua plena eficácia ainda enfrenta limitações significativas.
Dados sobre a violência contra as mulheres
Em sua terceira edição, a pesquisa “O papel da arma de fogo na Violência Contra a Mulher”, publicada em 2024 pelo Instituto Sou da Paz, revelou que, ao longo de 11 anos, quase 25 mil mulheres foram mortas por armas de fogo no Brasil.
Segundo a pesquisa “Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil”, conduzida pelo DataFolha em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o ano de 2022 apresentou o maior índice de mulheres vítimas de diversas formas de violência doméstica no Brasil. De acordo com o estudo, quase 51 mil mulheres foram vítimas de violência diariamente no país em 2022.
Conforme o relatório “Elas vivem: dados que não se calam”, elaborado pela Rede de Observatórios da Segurança, ao menos uma mulher perde a vida diariamente simplesmente por ser mulher.
A maioria das mulheres que sofreram feminicídio e outras mortes violentas no Brasil em 2022 eram negras. De acordo com dados da 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgada em julho de 2023, 7 em cada 10 vítimas de feminicídio foram assassinadas dentro de casa pelo atual parceiro ou por um ex-companheiro.
O estudo “Impactos de feminicídios em familiares: saúde mental, justiça e respeito à memória,” conduzido por membros do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios – MPDFT, em 2022, revela que em 44% dos casos de feminicídio, familiares e amigos já haviam testemunhado agressões contra a mulher antes que o crime ocorresse.
Como ajudar mulheres vítimas de violência doméstica?
Antes de qualquer coisa, é fundamental compreender que a violência doméstica não é um problema que se limita à vítima direta.
Ela reverbera por toda a sociedade, afetando familiares, amigos e, muitas vezes, as crianças que convivem com a situação.
A violência é uma agressão não só contra uma pessoa, mas contra todos nós como sociedade. Portanto, a responsabilidade de atuar para mudar essa realidade é coletiva.
Ofereça um ouvido atento e sem julgamentos
Quando uma mulher decide falar sobre a violência que está enfrentando, é importante que ela encontre em você um ouvido compreensivo.
Ouça sua história sem julgá-la ou tentar impor soluções prontas. Cada mulher tem seu próprio tempo e processo para lidar com a violência e é essencial respeitar isso.
Mostre que você acredita nela, pois essa validação pode ser um primeiro passo significativo para sua recuperação.
Aprenda a reconhecer os sinais de alerta
Nem sempre a violência doméstica é evidente. Muitas mulheres escondem as marcas físicas e emocionais do abuso por vergonha ou medo.
Saber identificar sinais como hematomas inexplicáveis, mudanças bruscas de comportamento ou isolamento social pode ser indicativo para oferecer ajuda no momento certo.
Ofereça suporte emocional e prático
Apoiar uma mulher vítima de violência doméstica vai além de ouvir. Ofereça ajuda concreta, como informações sobre abrigos, advogados e grupos de apoio.
Se possível, ajude-a a criar um plano de segurança, que inclua um lugar seguro para onde possa ir em caso de emergência e contatos de pessoas que possam oferecer suporte imediato.
Respeite o tempo e as decisões da vítima
Embora seja natural querer resgatar uma pessoa dessa situação, é vital respeitar o tempo e as decisões da mulher.
A escolha de sair do relacionamento abusivo deve partir dela, e seu papel é oferecer apoio constante, independentemente de suas decisões.
Isso garante que ela saiba que não está sozinha e que tem um espaço seguro para recorrer quando estiver pronta.
Seja um agente de mudança
Por fim, para que possamos efetivamente ajudar as mulheres vítimas de violência doméstica, é necessário atuar também na transformação social.
Isso envolve denunciar agressões, apoiar políticas públicas que protejam as vítimas e educar a sociedade para que a violência doméstica seja vista como um problema de todos nós – e não apenas da vítima.
A violência contra a mulher é uma grave violação dos direitos humanos que exige uma abordagem ampla para ser enfrentada.
No entanto, apesar dos avanços nas legislações e nas políticas públicas, como a Lei Maria da Penha, apenas punir o agressor não é suficiente para erradicar essa problemática com raízes estruturais na sociedade.
Incluir a discussão sobre a violência contra a mulher nos currículos escolares, de forma multidisciplinar, é uma medida essencial para a prevenção.
Desde cedo, crianças e jovens devem ser ensinados sobre igualdade de gênero, respeito mútuo e os impactos devastadores da violência. Essa educação deve ser transversal.
As políticas públicas voltadas para o combate à violência contra a mulher devem ser integradas e abrangentes, englobando medidas preventivas que vão além da punição.
Isso inclui a criação de programas de apoio às vítimas, como casas-abrigo e serviços de atendimento psicológico e jurídico, além de ações que incentivem a independência econômica das mulheres, fator que muitas vezes é um ponto-chave para que elas consigam romper com ciclos de violência.
Embora a Lei Maria da Penha seja uma das legislações mais avançadas do mundo no combate à violência doméstica, muitas pessoas ainda desconhecem seus direitos ou não sabem como acessá-los.
A difusão desta lei e de outros instrumentos de proteção dos direitos das mulheres é essencial para garantir que as vítimas estejam cientes de suas opções e possam buscar ajuda.
Conheça os mitos da violência doméstica.