O que é mineração?
A mineração é, essencialmente, a extração de riquezas do subsolo. Ao longo da história, essa atividade serviu para alimentar impérios, mover economias e abastecer a indústria com matéria-prima.
Mas, por trás da aparência de progresso, ela carrega uma lógica extrativista baseada na exploração exaustiva da natureza e, muitas vezes, de pessoas.
Definida como uma atividade econômica e industrial voltada à pesquisa, extração e beneficiamento de minérios, a mineração transforma paisagens, altera cursos de rios, degrada o solo e coloca comunidades inteiras sob risco.
Ainda hoje, grandes mineradoras operam em nome do crescimento, enquanto acumulam lucros às custas de ecossistemas devastados e direitos violados.
No Brasil, onde os recursos minerais pertencem à União, a mineração é apresentada como motor do desenvolvimento. Mas basta olhar para territórios atingidos, como Mariana e Brumadinho, para entender o verdadeiro custo dessa atividade.
É possível falar em progresso quando vidas são soterradas pela lama? Pode haver futuro onde a destruição se repete como padrão?
Apesar de ser frequentemente apresentada como indispensável ao desenvolvimento econômico, a mineração explora recursos finitos, gera resíduos em larga escala e deixa atrás de si rastros de destruição ambiental e sofrimento social.
Ao cavar a terra em busca de minérios, grandes empreendimentos não apenas modificam a paisagem natural, mas contaminam o ar, a água e o solo, recursos essenciais à vida.
Os efeitos, por vezes invisíveis de imediato, comprometem a saúde de comunidades inteiras, empurram populações tradicionais para longe de seus territórios e destroem modos de vida construídos ao longo de gerações.
A lógica da mineração no Brasil, concentrada em poucos grupos econômicos, marcada pela repetição de tragédias e pela baixa fiscalização, escancara uma verdade incômoda: não há mineração limpa.
Neste artigo, vamos ver que mesmo cercada por promessas de modernização, tecnologia e responsabilidade socioambiental, a mineração segue sendo uma atividade insustentável, deixando um histórico de destruição ambiental, impunidade diante de crimes socioambientais e a reprodução de desigualdades estruturais.
O que é sustentabilidade?
Falar em sustentabilidade é falar sobre limites. Limites do planeta, dos nossos modos de consumo, da capacidade de renovação dos recursos naturais e da justiça nas relações entre as pessoas e o ambiente em que vivem.
O conceito, cada vez mais presente no discurso político e empresarial, nasceu da urgência de repensar um modelo de desenvolvimento que esgota, exclui e compromete o futuro.
Sustentabilidade vem do latim sustentare, sustentar, conservar, apoiar. É a capacidade de manter algo ao longo do tempo, garantindo que as necessidades atuais sejam atendidas sem comprometer a sobrevivência das futuras gerações.
Isso inclui conservar recursos como água, ar e solo, mas também assegurar que haja dignidade, equidade e bem-estar para as pessoas que vivem hoje e viverão amanhã.
Ao contrário do que muitos pensam, sustentabilidade não é apenas um tema ambiental. Trata-se de um equilíbrio entre três dimensões interdependentes: ambiental, social e econômica.
Esse é o chamado Tripé da Sustentabilidade, também conhecido como People, Planet, Profit (Pessoas, Planeta e Lucro). Nenhuma dessas partes se sustenta sozinha.
Na prática, isso significa garantir que o desenvolvimento respeite os limites ecológicos do planeta, promova justiça social e seja economicamente viável.
Uma sociedade sustentável cuida do solo e das florestas, mas também das pessoas que neles vivem. Valoriza a inovação, mas sem deixar comunidades para trás. Gera lucros, mas não à custa da destruição.
Quando aplicado ao contexto empresarial, o conceito se transforma em sustentabilidade corporativa, que exige que as empresas reconheçam seus impactos, mitiguem danos e assumam compromissos concretos com os territórios onde atuam.
Isso envolve a gestão ambiental, o respeito aos direitos humanos, a transparência nas relações e o engajamento dos chamados stakeholders, ou seja, todas as pessoas e grupos afetados pela atividade.
Infelizmente, quando olhamos para o setor mineral, vemos o quanto ainda estamos distantes dessa realidade. O modelo hegemônico de mineração segue alicerçado na lógica do lucro rápido, da extração intensiva e do descaso com os territórios. Sustentabilidade, nesse caso, é muitas vezes apenas um disfarce para práticas destrutivas.
Os três pilares da sustentabilidade
Pilar ambiental: proteger o planeta
Este é o pilar mais conhecido e talvez o mais negligenciado pela atividade mineradora. Sustentabilidade ambiental significa conservar os ecossistemas, preservar a biodiversidade, reduzir a poluição e garantir que o uso dos recursos naturais seja feito com responsabilidade.
Envolve práticas como reciclagem, reuso de água, uso de energia renovável e recuperação de áreas degradadas.
Na mineração, no entanto, o que se vê com frequência é o oposto: devastação de florestas, contaminação de rios, emissão de gases tóxicos e acúmulo de rejeitos perigosos.
Uma atividade que escava, remove, destrói e abandona não pode se sustentar e tampouco sustentar o meio que a envolve.
Pilar social: promover justiça e bem-estar
O segundo pilar é a sustentabilidade social, que diz respeito à qualidade de vida, à equidade e à justiça entre as pessoas. Ela exige que todos tenham acesso a direitos fundamentais, como educação, saúde, cultura e moradia digna, além de participação ativa na tomada de decisões que afetam seus territórios.
A mineração, ao contrário, é frequentemente marcada pelo deslocamento forçado de comunidades, destruição de modos de vida tradicionais e aumento de desigualdades.
Muitas vezes, os lucros gerados pela extração não retornam em forma de investimento social nas regiões exploradas, aprofundando o abismo entre o centro do poder econômico e as periferias atingidas.
Pilar econômico: desenvolver sem explorar
O terceiro pilar, a sustentabilidade econômica, propõe um modelo de crescimento que seja viável no longo prazo, não apenas lucrativo. Isso significa produzir e gerar riqueza sem comprometer os recursos que serão necessários no futuro.
A economia sustentável é aquela que promove inovação, eficiência, inclusão e distribuição justa dos benefícios.
No modelo minerário predominante, porém, o crescimento é rápido e os custos são invisibilizados: solo arrasado, água contaminada, comunidades vulneráveis. O lucro imediato é privilegiado em detrimento da resiliência econômica local e da capacidade regenerativa dos ecossistemas.
Impactos ambientais da mineração
A mineração, especialmente em larga escala, representa uma das formas mais agressivas de intervenção humana no ambiente natural.
O desmatamento provocado pela atividade mineradora não é apenas uma consequência inevitável do processo, é um sintoma de um modelo que se sustenta pela degradação.
Antes que um grama de minério seja extraído, já se perderam hectares de vegetação nativa. A remoção da cobertura vegetal, necessária para o acesso às jazidas, desestrutura ecossistemas frágeis, expõe o solo à erosão e interrompe ciclos ecológicos essenciais.
Animais fogem, plantas são extintas, e comunidades tradicionais, que dependem daquela terra para viver, são obrigadas a se deslocar ou resistir sob risco constante.
Essa devastação não se limita ao local da lavra. A construção de estradas, barragens, ferrovias e centros de operação expande ainda mais a área impactada. Além disso, a poluição do ar, da água e do solo afeta o entorno de forma duradoura, muitas vezes irreversível.
As chamadas áreas mineradas entram para a lista das regiões degradadas que, além de perderem sua função ecológica, tornam-se fontes de contaminação e instabilidade.
Em muitos casos, abandonadas após a exploração, essas áreas seguem liberando resíduos tóxicos por décadas. E mesmo com esforços de restauração, a recomposição da biodiversidade original e a resiliência dos ecossistemas dificilmente são alcançadas.
Áreas devastadas pela mineração
O caso de Brumadinho, assim como o de Mariana, mostrou para o mundo o que já era vivido silenciosamente por muitas comunidades: o colapso ambiental causado pelo modelo extrativista da mineração.
A lama tóxica que destruiu o Rio Doce e, depois, o Córrego do Feijão, arrastou casas, pessoas e levou consigo ecossistemas inteiros, habitats que sustentavam centenas de espécies e modos de vida conectados à terra.
O desmatamento necessário para abrir cavas a céu aberto ou implantar estruturas operacionais elimina a cobertura vegetal e obriga animais a migrarem ou morrerem, interrompendo cadeias alimentares e ameaçando espécies já vulneráveis.
Peixes, anfíbios, aves e mamíferos são diretamente afetados pela contaminação da água e pela perda de habitat. Espécies vegetais endêmicas, muitas ainda não catalogadas, desaparecem sem deixar rastros.
O estresse ecológico provocado pela atividade mineradora causa desequilíbrios nos ciclos de reprodução e alimentação de diversas espécies. Já a flora sofre com a compactação do solo e o uso de produtos químicos que inviabilizam a regeneração natural do ambiente.
E mesmo quando se fala em “recuperação” das áreas degradadas, é preciso reconhecer seus limites: a restauração de ecossistemas destruídos pela mineração raramente reconstrói as funções ecológicas originais.
A complexidade e o tempo necessários para reconstituir uma floresta ou um sistema hídrico são infinitamente maiores do que o tempo em que foram destruídos.
Diante da escala de destruição e das evidências empíricas acumuladas ao longo de décadas, é impossível sustentar a narrativa de que a mineração pode ser ambientalmente neutra ou plenamente mitigável.
A devastação provocada não é exceção, é regra. E suas consequências para a fauna e a flora são profundas, contínuas e, muitas vezes, invisibilizadas pelos discursos oficiais de desenvolvimento.
Efeitos da liberação de substâncias tóxicas no solo e corpos d’água
Um dos impactos mais graves da mineração é a drenagem ácida de minas (DAM), um fenômeno químico em que rochas expostas ao ar e à água reagem formando ácido sulfúrico.
Esse ácido se mistura com a água da chuva ou com os cursos d’água locais, criando uma substância altamente tóxica. Esse processo, acelerado por bactérias como a Thiobacillus ferrooxidans, transforma riachos em canais de veneno.
Além disso, a mineração libera metais pesados como chumbo, arsênio, mercúrio, cádmio e zinco. Mesmo em pequenas concentrações, esses metais são perigosos, pois se acumulam ao longo da cadeia alimentar.
Seus efeitos são extremamente negativos: causam doenças neurológicas, hormonais, respiratórias e renais em humanos e levam à morte de organismos aquáticos e à perda de biodiversidade. Uma vez presentes nos aquíferos ou rios, esses metais permanecem por décadas, impossibilitando o uso da água para consumo, agricultura ou lazer.
Basta um acidente ou uma negligência para que rios inteiros sejam envenenados.
O caso de Brumadinho
Uma pesquisa realizada pela Fiocruz e pela UFRJ revelou a extensão da contaminação por metais pesados nas comunidades próximas à barragem. Chumbo, arsênio, manganês, mercúrio e cádmio foram detectados no sangue de adultos e crianças em níveis alarmantes.
Em algumas crianças, o nível de chumbo ultrapassava em quase três vezes o limite considerado seguro. Em 100% das testadas, havia presença de metais. Em 56% dos casos, os níveis estavam acima do recomendado. Isso não é acidente: é crime ambiental com consequências humanas gravíssimas.
As famílias relatam o medo de consumir alimentos da própria terra e a insegurança quanto à potabilidade da água. Exames apontaram presença de coliformes fecais e minerais tóxicos em quase metade das amostras de água coletadas.
O peixe do rio Paraopeba foi declarado impróprio para consumo. A contaminação se espalhou pelos lençóis freáticos, rios, solos e até pelo ar, metais foram encontrados em 30% das amostras de poeira dentro das casas.
As consequências para a saúde física são graves, mas não param por aí. Após o desastre, os atendimentos em saúde mental em Brumadinho dispararam. Em 2019, o número de pessoas que buscaram ajuda no SUS por transtornos psicológicos aumentou 13 vezes em relação ao ano anterior.
Quadros de depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático tornaram-se rotina. A dor de perder familiares, o medo da contaminação, a incerteza sobre o futuro e a sensação de abandono se somam a uma vida que segue cercada por riscos.
Além disso, o desenvolvimento neurológico de muitas crianças da região está comprometido. Segundo a Fiocruz, 38% das crianças testadas não haviam desenvolvido habilidades esperadas para sua idade. O que está em jogo é o futuro de uma geração contaminada no corpo e afetada na mente.
Mineração e mudança climática
Em meio a ondas de calor, escassez de água e eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, surge uma pergunta: qual o papel da mineração no agravamento da crise climática?
Gases do aquecimento: mineração é parte do problema
Segundo um estudo da consultoria McKinsey, a mineração é responsável por cerca de 7% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) originadas por atividades humanas. Esse número sobe para 28% se considerarmos as emissões indiretas relacionadas ao uso dos minérios, especialmente na produção de aço, alumínio e na queima de carvão mineral.
Esses processos consomem uma grande quantidade de energia, em sua maioria proveniente de fontes não renováveis. Em vez de contribuir com soluções sustentáveis, a mineração alimenta um sistema que consome recursos naturais à exaustão e devolve à atmosfera toneladas de dióxido de carbono (CO₂), metano (CH₄) e óxidos de nitrogênio (NOₓ).
No Brasil, o impacto da mineração vai além das chaminés e motores. A expansão de minas a céu aberto exige a remoção de grandes áreas de vegetação nativa. Só entre 2021 e 2022, Minas Gerais desmatou 7,4 mil hectares da Mata Atlântica.
Quando se derruba uma floresta, não se perde apenas sombra ou paisagem: perde-se um estoque natural de carbono, um regulador climático. O solo exposto libera ainda mais CO₂, acelerando o aquecimento global. É uma equação perversa: mais mineração, menos floresta, mais carbono na atmosfera.
O impacto climático da mineração se sente no presente e se agrava no futuro. Estimativas da CarbonPlan apontam que cidades mineiras como Governador Valadares e Teófilo Otoni podem enfrentar até 70 dias de calor extremo por ano até 2052. O que era exceção se tornará a nova regra e isso também tem relação com o avanço predatório da mineração.
Além de destruir biomas, contaminar águas e expulsar comunidades, a mineração está ligada à desertificação de regiões que antes eram férteis e habitadas por povos que cuidavam da terra.
Muito tem se falado em descarbonização da economia e transição energética. No entanto, essa “transição” tem sido capturada pela lógica do capital. O discurso verde que justifica a extração de minerais como lítio, nióbio e cobre para produção de baterias e carros elétricos está sendo usado para ampliar o mesmo modelo destrutivo.
No Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, o chamado “Vale do Lítio” surge como promessa de progresso. Mas, na prática, representa mais uma onda de exploração sobre um território já marcado pela resistência popular.
Como alerta o Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), não há solução climática possível com o atual modelo de mineração predatória.
Mineração: um ataque contínuo aos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais
Quando falamos em mineração, falamos de comunidades que veem sua existência ameaçada em nome de um “progresso” que chega com máquinas e explosões.
A mineração representa um ataque direto aos modos de vida de povos indígenas, quilombolas, geraizeiros, ribeirinhos e outras comunidades tradicionais, povos que há séculos cuidam dos territórios que hoje estão sob constante ameaça.
A história da exploração mineral em Oriximiná (PA) ilustra bem essa realidade. Há mais de 40 anos, comunidades quilombolas e ribeirinhas convivem com os impactos da extração de bauxita na Floresta Nacional de Saracá-Taquera.
O que era floresta, fonte de alimento, água e cultura, virou área de mineração. Famílias foram cercadas por 26 barragens de rejeitos, enfrentando contaminação dos cursos d’água, perda de pescado e insegurança permanente.
No norte de Minas Gerais, o território geraizeiro do Vale das Cancelas está sob ameaça do que pode se tornar a maior barragem de rejeitos do país, além do segundo maior mineroduto do mundo.
São mais de 70 comunidades tradicionais que vivem com medo, inseguras, sem saber se terão onde morar ou plantar.
O que se vê nesses territórios é uma estratégia sistemática: primeiro, enfraquecem os direitos das comunidades. Depois, fragmentam os processos de licenciamento ambiental para apressar aprovações.
Por fim, instalam empreendimentos com promessas de desenvolvimento que, no fim, significam destruição ambiental, perda de identidade e negação de direitos.
O quilombo de Queimadas, no Serro (MG), resiste à instalação de uma mina que ameaça a Bacia do Rio do Peixe e toda a economia tradicional da região.
Já a Aldeia Naô Xohã, às margens do Rio Paraopeba, viveu o impacto direto do crime de Brumadinho: a perda do rio significou o fim dos rituais, da pesca, da cultura e do sustento para os povos Pataxó e Pataxó Hã Hã Hãe.
Essas comunidades não estão apenas sendo deslocadas fisicamente, estão sendo arrancadas de seus modos de vida. Quando a floresta é destruída, vai junto a cultura, a espiritualidade, a história, o alimento. A mineração imposta, sem escuta e sem consentimento, é uma forma de violência ambiental e cultural.
A mineração como fonte de gases do efeito estufa
Em 2022, a mineração brasileira lançou na atmosfera 12,8 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (tCO₂e), uma soma de gases altamente nocivos ao clima do planeta, segundo levantamento da Agência Brasil com dados do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).
Essas emissões correspondem a apenas 0,55% do total nacional, mas o número absoluto impressiona. Mais da metade (59%) vem da queima de combustíveis fósseis em veículos e máquinas pesadas, fundamentais para abrir as minas e movimentar o minério. São caminhões gigantescos, escavadeiras e perfuratrizes operando dia e noite a diesel, um combustível fóssil altamente poluente.
Outros 14% das emissões têm origem no desmatamento necessário para o avanço das minas. Quando uma floresta é derrubada, seu estoque de carbono é liberado em forma de CO₂. Há ainda os 9% gerados pelo uso de combustíveis em equipamentos estacionários, além de emissões não intencionais e processos industriais.
Mas o problema não para na extração. Quando se soma o que é emitido na metalurgia e no uso final dos minérios, como o carvão mineral, o número vai para 762,3 milhões de toneladas de CO₂ equivalente, quase 60 vezes mais do que a emissão gerada só pela atividade mineradora.
Segundo o Ibram, 85% das emissões da mineração são de CO₂, que pode permanecer na atmosfera por até mil anos, agravando o efeito estufa. Mas também são liberados metano (CH₄), 28 vezes mais potente que o CO₂ e óxido nitroso (N₂O), com potencial de aquecimento 265 vezes maior, permanecendo por mais de um século no ar.
Mineração e violações de direitos humanos: trabalho escravo e violência
Os impactos da mineração ultrapassam os limites ambientais e climáticos. Há também um lado sombrio e persistente da atividade: a violação dos direitos humanos, que inclui casos de trabalho escravo contemporâneo, exploração econômica, ameaças e até violência física e simbólica contra trabalhadores e comunidades.
Entre 1995 e 2021, mais de mil trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão em atividades de mineração no Brasil, segundo levantamento da Repórter Brasil com base em dados do Ministério do Trabalho e da Comissão Pastoral da Terra.
A maioria desses casos está associada a garimpos ilegais na Amazônia, onde a fiscalização enfrenta enormes desafios logísticos e estruturais. Os trabalhadores, muitas vezes atraídos por falsas promessas, acabam submetidos a jornadas exaustivas, servidão por dívidas e condições degradantes, em locais onde o acesso a direitos básicos simplesmente não existe.
Um dos episódios mais marcantes foi o da mineradora Vale, incluída em 2024 na “lista suja” do trabalho escravo, o cadastro oficial do governo federal de empregadores flagrados em violações graves.
O caso envolve a Mina do Pico, em Itabirito (MG), onde, em 2015, 309 pessoas foram submetidas a condições de trabalho degradantes. Embora a Vale tenha alegado que os trabalhadores eram contratados por uma empresa terceirizada (a Ouro Verde), a Justiça reconheceu a responsabilidade da mineradora.
A situação descrita na época foi: jornadas de até 23 horas ao volante, banheiros impraticáveis, ameaças e promessas falsas para quem aceitasse trabalhar além dos limites da dignidade humana. Essas condições não são exceção, são sinais de um modelo que prioriza a extração máxima de recursos, independentemente do custo humano e social.
O fim do que parecia infinito: os limites da extração mineral
Apesar de parecerem abundantes, os recursos minerais são limitados. Ao contrário de fontes renováveis como a energia solar ou a biomassa, os minérios extraídos da crosta terrestre demoram milhões de anos para se formar e, uma vez esgotados, não podem ser substituídos. Ainda assim, o modelo atual de mineração no Brasil e no mundo ignora esses limites, promovendo a extração em escala e velocidade incompatíveis com a capacidade do planeta.
Segundo a Global Footprint Network, a humanidade consome os recursos naturais em um ritmo tão acelerado que, em 2022, esgotamos o “orçamento ecológico” anual ainda no mês de julho. Para atender às nossas demandas atuais, seriam necessários 1,75 planetas Terra. Estamos, literalmente, operando no vermelho.
No caso dos minerais não renováveis, como ferro, ouro, bauxita, nióbio e lítio, o cenário é ainda mais preocupante. Eles são essenciais para diversos setores da economia moderna, como infraestrutura, tecnologia e energia, inclusive para a chamada “transição energética verde”. No entanto, a sua exploração desenfreada tem levado à degradação de solos, destruição de ecossistemas, poluição de rios e atmosferas e a graves violações de direitos humanos.
O futuro, como afirma a Agenda 2030 da ONU, depende de nossa capacidade de gerenciar os recursos naturais com responsabilidade. Continuar ignorando a natureza finita dos minérios é cavar a própria escassez.
O alto custo da destruição: impactos da mineração na recuperação ambiental e na saúde pública
A mineração, ao transformar radicalmente os territórios onde se instala, impõe investimentos pesados e longos processos de reabilitação ambiental.
O solo, a água, o ar e a biodiversidade são comprometidos de tal maneira que, muitas vezes, a recuperação completa se torna inviável ou, no mínimo, extremamente dispendiosa.
A abertura de minas a céu aberto, comum no Brasil, exige o desmatamento de vastas áreas, a retirada do solo fértil e a alteração drástica da paisagem.
Isso provoca a exposição do solo à erosão e compromete sua capacidade de regeneração, além de impactar diretamente o regime hídrico local. A água, por sua vez, sofre com o uso intensivo no beneficiamento dos minérios, com a contaminação por rejeitos tóxicos e com a redução dos aquíferos.
Essa contaminação e destruição têm reflexos diretos na saúde das populações vizinhas. A exposição contínua a metais pesados, poeira tóxica, ruído excessivo e água imprópria para o consumo aumenta o número de doenças respiratórias, problemas dermatológicos, intoxicações e até impactos psicológicos.
Em casos extremos, como os rompimentos de barragens, o sistema de saúde local é sobrecarregado com emergências, enquanto famílias perdem casas, acesso à água e até entes queridos.
A recomposição ambiental, nesses casos, não é apenas técnica, ela é política, social e econômica. Envolve reflorestar áreas, recuperar cursos d’água, reestabelecer ecossistemas e lidar com a perda de modos de vida.
Ao ignorar o custo real da destruição que provoca, a mineração empurra para o futuro uma fatura impagável, não só em termos financeiros, mas também humanos e ecológicos.
Reduzir, reutilizar e repensar o futuro energético
A transição energética global traz consigo um paradoxo: ao mesmo tempo que promete reduzir as emissões de gases poluentes, também pode ampliar a exploração de recursos minerais se for guiada pelos mesmos padrões de consumo insustentável que nos trouxeram até aqui.
No entanto, não há sustentabilidade possível se a base dessa transição continuar sendo a extração desenfreada de matérias-primas.
É urgente reduzir nossa dependência de recursos minerais, e isso só será viável com o fortalecimento de práticas como reciclagem, reutilização de materiais e design eficiente de produtos.
A ideia de que precisamos extrair mais para construir um futuro mais limpo é contraditória, especialmente quando já temos em circulação grandes volumes de metais e minerais que podem ser reaproveitados.
Tecnologias de energia renovável, como painéis solares, turbinas eólicas e baterias, consomem grandes quantidades de materiais como lítio, cobalto, níquel e terras raras.
A substituição em massa de veículos a combustão por veículos elétricos, por exemplo, pode gerar uma nova onda de pressão sobre essas cadeias extrativas, caso não haja um plano sério de recuperação e reuso de componentes.
Mas existem caminhos alternativos. Investimentos em pesquisa e desenvolvimento já mostram avanços em baterias mais duráveis e recicláveis, tecnologias de economia circular e modelos de transporte público integrados que reduzem a necessidade de veículos individuais.
Além disso, políticas públicas que estimulem a reciclagem, a coleta seletiva e a economia de compartilhamento são instrumentos poderosos para minimizar o uso de matéria-prima virgem.
A transição para fontes de energia renovável é uma oportunidade, sim, mas ela precisa ser acompanhada de uma mudança real nos padrões de consumo e produção.
Somente assim evitaremos repetir os erros do passado em uma nova embalagem. A sustentabilidade não pode ser medida apenas pela fonte da energia, mas também pela quantidade de recursos que deixamos de explorar para mantê-la funcionando.
O papel do Estado na regulamentação do setor e na proteção dos direitos humanos e ambientais
A mineração, enquanto atividade que gera riquezas para um grupo pequeno e privilegiado, frequentemente avança sobre ecossistemas e comunidades, causando danos muitas vezes irreversíveis no meio ambiente e para as pessoas em vulnerabilidade social.
Para lidar com essas consequências, o Estado exerce um papel central, devendo não apenas definir regras, mas garantir que sejam aplicadas com rigor e eficácia.
Estudos do PNUD e outras entidades ressaltam que a coordenação entre diferentes órgãos, ambientais, trabalhistas e de direitos humanos, é essencial para enfrentar a complexidade da mineração. Esforços integrados fortalecem a capacidade de controle, aumentam a credibilidade das ações estatais e conferem legitimidade ao processo regulatório.
A imposição de licenças, a criação de áreas interditadas à mineração (como unidades de conservação, terras indígenas e quilombolas) e a garantia do consentimento prévio de comunidades são medidas fundamentais para o reconhecimento e proteção de direitos.
O Projeto de Lei 2159/21, aprovado nesta quinta-feira, dia 17/07, na Câmara dos Deputados, destaca-se como uma das iniciativas mais controversas.
Segundo a Agência Câmara de Notícias, o projeto estabelece novas regras gerais para o licenciamento ambiental e cria novas licenças, como a Licença Ambiental Especial (LAE), que poderá ser concedida mesmo para empreendimentos de grande impacto ambiental.
Este tipo de licenciamento, destinado a atividades consideradas “estratégicas”, permite a autorização de projetos minerários sem a devida análise detalhada dos impactos ambientais, podendo até mesmo desconsiderar as normas do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para a mineração de grande porte.
Dessa forma, o PL da Devastação ameaça avançar a mineração em áreas sensíveis, sem a devida proteção para os direitos ambientais e sociais.
Mas talvez o desafio mais difícil seja avançar para além do modelo predatório. Pausar ou redirecionar investimentos em setores degradantes, em favor de alternativas sustentáveis, como a economia circular e as energias limpas, exige visão de longo prazo, recursos públicos e uma estratégia clara de transição, com apoio às regiões impactadas, treinamento, incentivos fiscais e reformas legislativas.
Nesse cenário marcado pela intensificação da mineração e seus impactos, são essenciais como um meio de denúncia, mobilização e construção de alternativas sustentáveis.
O Instituto Camila e Luiz Taliberti (ICLT) é um exemplo vivo dessa luta. Nascido da tragédia de Brumadinho, o ICLT se tornou uma voz ativa pela justiça socioambiental.
Mais do que preservar a memória de Camila e Luiz, vítimas do crime da Vale em 2019, o Instituto atua na promoção dos direitos humanos e na proteção da natureza, denunciando a lógica extrativista e impulsionando alternativas reais de desenvolvimento.
Em um país onde ativistas ambientais são constantemente ameaçados, movimentos como o ICLT oferecem apoio e visibilidade às comunidades que enfrentam o avanço da mineração sobre suas águas, florestas e modos de vida.
Somente com a força das políticas públicas aliada à mobilização da sociedade civil será possível romper com o modelo destrutivo da mineração e construir um futuro realmente sustentável.
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