Oito anos se passaram desde o crime ambiental em Mariana (MG), e quatro desde o rompimento da barragem em Brumadinho (MG). Nesse meio tempo, uma pandemia global desencadeou crises socioeconômicas e políticas, que evidenciaram os problemas de saúde mental no Brasil e no mundo.
Diante desse acúmulo de crises e crimes, a saúde mental dos atingidos por grandes tragédias está em risco. Segundo Marlon Silva, vítima do rompimento da barragem em Bento Rodrigues — distrito localizado a 24 km de Mariana —, o pavor é constante.
“Como dormir em um lugar que agora tem uma sirene que pode tocar a qualquer momento? Depois da tragédia, realocaram minha família em Antônio Pereira, onde existe uma barragem em expansão. Logo depois, veio Brumadinho. Vivemos no desespero, com medo que aconteça de novo”, contou Marlon, em depoimento durante a Mostra Cinema, Mineração e Meio Ambiente.
Atualmente, Marlon segue lutando pelo reconhecimento como atingido. Ele já não mora em Minas Gerais; se mudou para a zona rural de Sergipe para reconstruir a vida. Aos feriados, visita a família, que ainda está na expectativa de reparação.
“Não aguentei a frustração de viver em Mariana. Hoje, crio gado e vendo leite em Canindé de São Francisco (SE). Mas, meu sonho mesmo era voltar para a Bento de antes, para o convívio com a minha família e comunidade”, acrescentou.
Conheça mais sobre Marlon Santos
A história de Marlon foi documentada no longa-metragem “O Lugar Mais Seguro Do Mundo”, dirigido pelas cineastas Aline Lata e Helena Wolfenson. O filme foi exibido durante a Mostra Cinema, Mineração e Meio Ambiente, promovida pelo ICLT, em julho de 2023. Saiba mais!
Os impactos psicossociais em Mariana
Infelizmente, histórias como as de Marlon Santos não são casos isolados. Além de contaminar os rios, o solo e a atmosfera, o rompimento das barragens trouxe incontáveis impactos socioeconômicos e psicossomáticos para os atingidos.
Em 2018, pesquisadores do Instituto Saúde e Sustentabilidade entrevistaram 507 moradores do município de Barra Longa, atingido pelo rompimento da barragem em Mariana, sobre suas condições de saúde física e mental.
Entre as principais consequências observadas, estavam: ansiedade, depressão, dermatites, gastroenterites, hipertensão arterial, diabetes mellitus e infecção nas vias respiratórias. Ao todo, 83,4% dos entrevistados afirmaram que passaram a apresentar algum sintoma emocional depois do desastre ambiental.
Saúde mental em Brumadinho: o crime se renova
Já em 2021, um estudo realizado em parceria com a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mostrou que os atingidos pelo rompimento da barragem em Brumadinho continuam a apresentar problemas de saúde mental.
De acordo com a pesquisa, 22,9% dos entrevistados foram diagnosticados com estresse pós-traumático, 29,3% ainda apresentam sintomas depressivos e 18,9% sofrem de ansiedade.
Outro estudo, conduzido por pesquisadores do Centro Universitário UNA, revisou toda a bibliografia disponível sobre os impactos psicossociais dos desastres da mineração em Mariana e Brumadinho, e concluiu que há um acúmulo de frustrações nas regiões.
Isso porque os atingidos perderam familiares, casas e empregos, bem como o território que habitavam há gerações. Além disso, em muitos casos, as mineradoras se recusam a reconhecer as famílias como atingidas pelos crimes.
“Diante disso, é possível perceber como esses desastres impactam a vida das pessoas atingidas. uma vez que estas perderam não só suas casas, mas também os sentidos simbólicos que as ajudaram a se constituir enquanto cidadãs daquele lugar”, concluem os autores do artigo, publicado em 2022.
Para além da saúde mental: um panorama político
Em 2016, um ano após o crime em Mariana, o Ministério Público determinou um Termo de Ajuste de Conduta para assegurar a reparação dos danos causados pela atuação da Samarco — fusão da mineradora brasileira Vale e da anglo-australiana BHP — nas regiões atingidas.
Como resultado, a Fundação Renova foi criada para representar esse acordo entre as mineradoras, o governo federal e os governos estaduais de Minas Gerais e Espírito Santo. Teoricamente, a instituição tem o compromisso de implementar cerca de 42 programas para reconstruir os territórios e proteger os direitos das vítimas..
Apesar disso, milhares de famílias seguem sem reparação até hoje. Diante desse cenário, outros coletivos se apropriaram dessa luta, como por exemplo: Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Grupo de Trabalho de Recuperação do Rio Doce (Ministério Público do Espírito Santo), Cáritas Brasileira, entre outras organizações.
A partir dessa articulação em rede, surgem iniciativas que resgatam a memória coletiva sobre as condições ambientais, emocionais e econômicas das comunidades atingidas. Recentemente, algumas dessas movimentações ressoaram na Câmara dos Deputados.
Em janeiro de 2023, foi aberta a comissão externa para Fiscalização dos Rompimentos de Barragens e Repactuação. O objetivo é acompanhar os desdobramentos dos crimes ambientais em Mariana e Brumadinho, que deixaram quase 300 mortos.
“Antes desse crime atingir a minha família, eu não tinha a dimensão dos efeitos da mineração na vida dessas comunidades. Agora, trabalho para que todos entendam esse panorama. A reparação não vai trazer as vítimas de volta, mas pode evitar que outras tantas vidas sejam perdidas”, conclui Helena Taliberti, presidente do ICLT.