No ano em que o voto feminino completa cinco décadas no Brasil, a percepção sobre a importância da equidade de gênero dá sinais de retrocesso. É o que mostra o relatório “Percepção Social Sobre Direitos Humanos e sobre Mulheres Defensoras de Direitos Humanos”, encomendado pela ONU Mulheres no Brasil e realizado pelo Instituto Ipsos.
Dividida em duas etapas, a pesquisa trouxe um comparativo entre os anos de 2021 e 2023, no que diz respeito aos níveis de concordância sobre a importância dos Direitos Humanos e da defesa da equidade de gênero na sociedade brasileira.
Para isso, o levantamento levou em consideração as cinco regiões do país e também buscou diversificar os perfis dos entrevistados, incluindo homens e mulheres maiores de 18 anos, pertencentes às classes ABC-DE.
Confira, abaixo, os principais destaques do estudo:
Direitos Humanos: importantes e controversos
Os Direitos Humanos ainda não são amplamente conhecidos pelos seus principais beneficiários: os cidadãos. Embora o relatório mostre que houve um pequeno avanço na conscientização da população brasileira sobre o assunto, a porcentagem segue baixa.
Somente 8% afirmam conhecer muito sobre Direitos Humanos, enquanto 16% dizem não saber nada ou quase nada. Uma das razões para isso pode estar relacionada ao tabu sobre o assunto, já que cerca de 49% das pessoas entrevistadas afirmam ter receio de serem percebidas como “defensoras de bandidos”.
Apesar disso, 87% dos entrevistados declararam apoiar os Direitos Humanos, na concepção de igualdade para todas as pessoas. Inclusive, houve uma melhora na percepção sobre esses direitos como fortalecedores da democracia. No recorte, mulheres, jovens, pessoas mais escolarizadas e de classes mais baixas tendem a ser mais favoráveis a eles.
Quando questionados sobre os responsáveis pela aplicação desses direitos na sociedade, os brasileiros costumam apontar para a Organização das Nações Unidas (ONU) e para Organizações Não-Governamentais (ONGs).
Apenas 21% entendem que o Estado é responsável pela defesa desses direitos, ao mesmo tempo em que 66% não acreditam na sua capacidade. Já o setor privado é apontado por apenas 8% dos entrevistados como tendo um papel relevante na implementação de Direitos Humanos.
“Esse dado revela uma lacuna de conhecimento sobre quem são os titulares dos deveres na aplicação dos Direitos Humanos e apontam para a necessidade de melhor disseminação dessas informações”.
Fonte: Percepção Social Sobre Direitos Humanos e sobre Mulheres Defensoras de Direitos Humanos
Equidade de gênero perde apoio
Ainda segundo o relatório, a porcentagem de pessoas que defendem a equidade de gênero caiu sete pontos em um intervalo de dois anos. Em 2021, 93% das pessoas defendiam a igualdade entre homens e mulheres. Atualmente, este número corresponde a 86%. Isso reforça quão frágeis são os avanços que levaram décadas para serem implementados socialmente.
Por outro lado, o nível de consciência sobre a desigualdade racial aumentou nesse meio tempo. A maior parte da população (51% em 2023) acredita que mulheres brancas e negras não têm as mesmas oportunidades e os mesmos direitos. Essa percepção é maior entre a população preta e as pessoas de alta renda.
Já os homens de baixa renda se destacaram pela queda no apoio ao protagonismo feminino, à livre manifestação de mulheres e à defesa de direitos iguais para casais homossexuais.
Outro dado preocupante está relacionado ao combate à violência contra a mulher. Em 2021, 72% das pessoas consideravam esse debate urgente e relevante. Dois anos depois, a taxa caiu para 69%.
Mulheres defensoras de direitos: aliadas ou inimigas?
De maneira geral, a imagem das mulheres que defendem os Direitos Humanos permanece positiva para a maior parte da população. Contudo, o número de homens da classe C1 que as consideram intolerantes aumentou. Entre os mais jovens e escolarizados, a perspectiva é oposta. No total, 1 em cada 5 pessoas entrevistadas não conseguiu citar nenhuma liderança feminina espontaneamente.
De modo que a educação para a cidadania se torna essencial para transformar os parâmetros éticos e morais de uma sociedade. Quando pensamos que a misoginia, o racismo e a homofobia resultam de uma construção sistêmica, reconhecer o papel de cada um nessa dinâmica é o ponto de partida para uma mudança efetiva.
“A partir do relatório, fica evidente que a educação de crianças e jovens, bem como a participação dos homens nesse debate, são cruciais para que possamos mudar o entendimento sobre os Direitos Humanos no Brasil”, afirma Helena Taliberti, economista e presidente do Instituto Camila e Luiz Taliberti. “Somente com a participação de todas e todos, será possível construir uma sociedade mais justa e equânime”, conclui.
Conheça o projeto Taliberta
O Instituto Luiz e Camila Taliberti é feito por mulheres que defendem os Direitos Humanos. Tudo começou com Camila Taliberti, que prestava assistência jurídica para mulheres em situação de violência doméstica. Após a perda de Camila e Luiz na tragédia de Brumadinho, Helena Taliberti assumiu a causa da filha como um dos pilares de atuação do Instituto.
Em 2020, o ILCT lançou a websérie Taliberta, a fim de disseminar informações importantes para combater a violência contra a mulher. Ao todo, são seis episódios que abordam desde a identificação de casos de abuso até o papel do homem no combate à violência doméstica. O projeto contou com a participação de especialistas convidadas e resultou na criação da Cartilha Taliberta, disponível para download. Baixe gratuitamente!