Embora as consequências dos desastres naturais e das mudanças climáticas sejam cada vez mais perceptíveis no cotidiano dos seres humanos, elas não impactam as pessoas da mesma forma. A partir dessa reflexão, surgiu o conceito de justiça climática.
Em outras palavras, trata-se de um movimento que defende integrar os direitos humanos no debate sobre o clima. Afinal, a emissão de gases poluentes e o aquecimento global, não afetam apenas o ecossistema do planeta, mas também as estruturas socioeconômicas criadas pela humanidade.
De modo que os grupos expostos à vulnerabilidades sociais estão mais próximos das áreas de risco, além de terem menos recursos para lidar com os efeitos de enchentes, ondas de calor, terremotos, ciclones, entre outros fenômenos extremos.
“Justiça climática significa garantir direitos para as populações diretamente impactadas pelas mudanças climáticas, com base em um desenvolvimento que seja verdadeiramente sustentável do ponto de vista econômico, político e social”, definiu o especialista Junior Aleixo, em artigo da ActionAid sobre o tema.
Dados sobre justiça climática
Sem dúvida, a urgência da justiça climática aumenta à medida que os desastres naturais se tornam mais frequentes. Segundo a Organização Meteorológica Mundial, os fenômenos extremos aumentaram cinco vezes nos últimos 50 anos.
A organização também aponta que pessoas na África, Sul da Ásia e América Latina têm 15 vezes mais chances de morrer em decorrência de desastres climáticos. Logo, em partes específicas do planeta, esse efeito é ainda mais devastador.
Não à toa, o relatório “A Anatomia de uma Crise Silenciosa”, produzido pelo Fórum Humanitário Global, revelou que 90% do prejuízo econômico gerado pelas mudanças climáticas – estimado em US$ 125 bilhões anuais -, atinge os países do Sul Global.
Só para ilustrar, a pesquisa reforça que os 50 países menos desenvolvidos contribuem com menos de 1% do total das emissões globais de carbono. Ainda assim, são esses os países mais afetados pelos desastres climáticos.
Ao passo que existe um termo específico para explicar essa relação inversamente proporcional: resiliência climática. Quanto maior é a desigualdade no acesso a direitos básicos, menor é a capacidade dos seres humanos resistirem aos efeitos da crise climática.
Crise climática e saúde mental
Ao somar mais essa camada de vulnerabilidade, as pessoas atingidas por desastres naturais vivem em estado de alerta constante, o que traz consequências graves para a saúde física e mental. Nesta matéria, aprofundamos essa análise no contexto das tragédias ambientais de Brumadinho e Mariana (MG). Confira aqui!
Racismo ambiental: um recorte da crise climática
Sendo assim, recortes como gênero, raça, orientação sexual e classe social se tornam fundamentais na relação com o meio ambiente. O termo racismo ambiental surge para reforçar que grupos historicamente marginalizados são mais impactados pela crise climática.
Entretanto, esses impactos vão além dos desastres naturais, incluindo também decisões que colocam em risco os direitos básicos dessa parcela da população. Em entrevista para a Agência Brasil, a secretária-executiva da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas ponderou:
“Por que alguém coloca um aterro sanitário no território quilombola? Ou uma linha de energia elétrica sem beneficiar a comunidade? Ninguém coloca um gasoduto cortando a fazenda de um grande fazendeiro ou em um latifúndio brasileiro. Isso é racismo”, explicou Selma Dealdina.
Aliás, a discussão sobre racismo ambiental não é nova para os povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, que lutam contra a exploração predatória de seus territórios há séculos. Em seu livro “Ideias para Adiar o Fim do Mundo”, Ailton Krenak escreve:
“Somos alertados o tempo todo para as consequências das escolhas recentes que fizemos. E se pudermos dar atenção a alguma visão que escape a essa cegueira que estamos vivendo no mundo todo, talvez ela possa abrir a nossa mente para alguma cooperação entre os povos, não para salvar os outros, mas para salvar a nós mesmos”.
Do discurso à prática: como garantir justiça climática?
Durante a abertura da 78º Assembleia Geral da ONU em Nova York (EUA), o presidente Lula reforçou o compromisso do governo brasileiro com a justiça climática, destacando três pontos principais em seu discurso: combate ao racismo estrutural, às desigualdades sociais e às mudanças climáticas.
“Agir contra a mudança do clima implica enfrentar desigualdades históricas. Os países ricos cresceram com um modelo baseado em altas emissões de gases danosos. A emergência climática torna urgente uma correção de rumos e a implementação do que já foi acordado”, afirmou o presidente.
Além disso, o Governo Federal anunciou que vai aumentar a verba destinada à prevenção de desastres naturais, passando de R$ 1,91 bilhões para R$14,9 bilhões. Mas, para que esse compromisso se reflita na prática, é preciso garantir políticas públicas intersetoriais.
Nesse sentido, a organização Conectas elaborou a publicação “Impulsionando a Ação Climática a partir de Direitos Humanos”, que apresenta um plano de ação com oito medidas para reajustar a governança brasileira de acordo com os princípios da justiça climática. Entre as medidas, estão:
Garantir acesso à informação e educação climática;
Centralizar questões de classe, raça e gênero;
Garantir os direitos e a participação de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais nos debates públicos;
Priorizar os direitos humanos durante a transição energética;
“O enfrentamento à crise climática deve necessariamente se pautar por uma abordagem que integre direitos humanos e socioambientais, à luz da justiça climática, do combate ao racismo ambiental e da garantia da democracia”, defende o documento.