A importância de relembrar a nossa caminhada em 2024

O final de um ano é um momento de reflexão, um convite para revisitarmos os passos dados e reconhecermos o impacto das nossas ações. No Instituto Camila e Luiz Taliberti (ICLT), essa retrospectiva tem um significado ainda mais profundo. Cada projeto realizado, cada voz que se juntou à nossa causa, e cada memória preservada são parte de um compromisso que transcende o tempo: lutar por justiça, dignidade humana e preservação ambiental.

Em 2024, cinco anos após a tragédia de Brumadinho, seguimos com a missão de transformar a dor em ação, o luto em resistência, e a saudade em legado. O ano foi marcado por momentos de intensa mobilização, conquistas significativas e reflexões profundas. A memória daqueles que perderam suas vidas permanece viva em cada iniciativa.

Esta retrospectiva não é apenas uma recordação; é um registro da força coletiva que nos move. Relembrar é um ato de resistência, uma maneira de reforçar o impacto do trabalho realizado e de inspirar novas ações. Ao olharmos para trás, reafirmamos o valor do caminho trilhado e renovamos nossa determinação de seguir em frente, sempre guiados pela memória de Camila e Luiz.

Convidamos você a revisitar conosco os principais momentos de 2024, um ano que, como tantos outros, reafirmou o poder da união e da resiliência na construção de um mundo melhor. Que esta retrospectiva inspire você tanto quanto nos inspira a continuar lutando.

Janeiro: mês da Memória

O mês de janeiro carrega um peso especial para o Instituto Camila e Luiz Taliberti e para todos aqueles impactados pela tragédia de Brumadinho. Em 2024, a data de 25 de janeiro marcou cinco anos do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, um crime ambiental e humano que causou a morte de 272 pessoas e deixou uma cicatriz profunda na história do Brasil. Este marco serviu como ponto de partida para uma série de ações promovidas pelo Instituto no chamado “Mês da Memória: Tragédia em Brumadinho – 5 Anos de Impunidade”.

Relembrando a Tragédia

No dia 25 de janeiro de 2019, às 12h28, a barragem controlada pela mineradora Vale se rompeu, liberando 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério. Em menos de 30 minutos, a lama atingiu o Rio Paraopeba, devastando tudo em seu caminho — comunidades, casas, vegetação e, acima de tudo, vidas humanas. Entre as vítimas estavam Camila e Luiz Taliberti, jovens cuja memória é perpetuada pelo trabalho do Instituto.

Até hoje, os responsáveis pelo desastre não foram punidos, e a luta por justiça segue como uma ferida aberta para as famílias e comunidades afetadas. Esta impunidade, reforçada pela lentidão do sistema jurídico, motivou o Instituto a transformar a dor em ação, buscando não apenas a reparação, mas também a conscientização sobre os impactos das atividades mineradoras.

Exposição “Paisagens Mineradas”

A exposição “Paisagens Mineradas” marcou o início de um projeto de arte e consciência ambiental que ganhou projeção nacional. Realizada de 20 de janeiro a 25 de fevereiro na Matilha Cultural, em São Paulo, essa mostra inaugural trouxe uma abordagem incisiva sobre os efeitos da mineração, com obras de dez mulheres artistas. As expressões artísticas incluíram pinturas, fotografias, instalações e performances, unindo reflexão ambiental à força transformadora da arte.

Após o sucesso dessa primeira edição, a exposição percorreu diversas cidades brasileiras, ampliando o alcance da mensagem e fortalecendo o diálogo sobre justiça ambiental e preservação. Essa itinerância demonstra o compromisso do ICLT com a difusão de conhecimento e com a sensibilização por meio da arte, consolidando a mostra como uma importante plataforma de conscientização e transformação social.

Impactos da exposição

  • Arte como memória e denúncia: As obras apresentaram a destruição ambiental e as histórias humanas que muitas vezes são apagadas das narrativas oficiais.
  • Debates e performances: A abertura da exposição contou com mesas de debate e apresentações artísticas que ampliaram o diálogo sobre a mineração no Brasil, abordando desde questões políticas até impactos psicológicos e culturais.

Entre as artistas, nomes como Shirley Krenak e Lis Haddad destacaram-se ao trazer a perspectiva de povos originários e comunidades tradicionais, conectando o público às realidades mais afetadas pelo modelo de desenvolvimento exploratório.

Ato por Memória e Justiça

No próprio dia 25 de janeiro, o ICLT organizou o Ato por Memória e Justiça, que reuniu centenas de pessoas na Rua Pamplona, esquina com a Avenida Paulista, em São Paulo. Este momento foi um dos mais emocionantes do mês, e trouxe a força da comunidade para o espaço público.

Destaques do Ato

  • 272 Fitas Vermelhas: Cada fita representava uma vida perdida na tragédia. Esses símbolos foram carregados por voluntários e participantes, formando um cortejo de memória e resistência.
  • Intervenções artísticas: A performance “Simulação de um Levante”, apresentada pelo coletivo (se)cura humana, foi um marco visual e emocional, misturando música, poesia e simbolismos para reforçar a importância de continuar lutando.
  • Participação coletiva: Corais entoaram canções emblemáticas como “Coração Civil” e “Cio da Terra”, conectando música e luta em um grito por justiça.

Ao meio-dia e 28 minutos, uma sirene soou, marcando o horário exato do rompimento da barragem em 2019. Este momento de silêncio e reflexão lembrou a todos da urgência de evitar que tragédias semelhantes se repitam.

Relançamento do Manifesto “Basta de Impunidade”

Como parte das ações de janeiro, o Instituto relançou o manifesto “Basta de Impunidade: Justiça por Brumadinho”, que já havia alcançado mais de 30 mil assinaturas desde 2023. O objetivo era dobrar este número até o final do mês, ampliando a pressão para que as autoridades brasileiras avancem nos processos de responsabilização.

O manifesto destacou:

  • A necessidade de celeridade no julgamento dos responsáveis.
  • A importância de implementar políticas públicas que previnam novos desastres.
  • O papel da sociedade em exigir mudanças estruturais no setor minerador.

Após o impacto das ações realizadas em janeiro, o Instituto Camila e Luiz Taliberti continuou a mobilização com iniciativas que trouxeram a arte e o diálogo para o centro das reflexões sobre a tragédia de Brumadinho e os impactos da mineração. As rodas de conversa, performances e encontros no contexto da exposição “Paisagens Mineradas” marcaram fevereiro como um mês de aprofundamento e fortalecimento da memória coletiva.

Rodas de Conversa: conexões entre arte e conscientização

As mesas de conversa realizadas durante a exposição “Paisagens Mineradas” foram um dos momentos mais marcantes do período. Esses encontros ampliaram as discussões iniciadas em janeiro, conectando especialistas, artistas e o público em debates fundamentais sobre a relação entre mineração, sociedade e meio ambiente.

20 de Janeiro: “A Propaganda na Era do Greenwashing”

A primeira roda de conversa trouxe à tona a prática do greenwashing, em que grandes empresas utilizam discursos e campanhas publicitárias para aparentar responsabilidade ambiental enquanto perpetuam práticas prejudiciais ao meio ambiente. 

Especialistas discutiram como, mesmo após os desastres de Mariana e Brumadinho, corporações continuam promovendo iniciativas superficiais enquanto comunidades sofrem com os desdobramentos das tragédias. O conteúdo do debate está disponível em nosso canal no YouTube, promovendo transparência e acesso à informação.

O debate, mediado pela artista visual Isadora Canela, contou com a participação de:

  • Carla Romano: representante da Rede Constelar Ancestral, que destacou como comunidades tradicionais são diretamente afetadas por essa desinformação.
  • Isis Medeiros: fotojornalista que apresentou relatos visuais do impacto da mineração em territórios vulneráveis.
  • Mundano: artivista conhecido por transformar resíduos de mineração em arte crítica, gerando impacto social.
  • Felipe Hotta: advogado de causas socioambientais que expôs o papel da legislação na responsabilização de práticas enganosas.

O debate levantou questões importantes:

  • Como identificar e combater o greenwashing?
  • Qual o papel da sociedade e da comunicação na proteção ambiental?
  • De que forma comunidades afetadas podem ser protagonistas da luta pela verdade?

21 de Janeiro: “Tragédia e Poética”

No dia seguinte, a segunda mesa de conversa abordou a relação entre tragédia e expressão artística. Sob a mediação de Isadora Canela, a discussão foi enriquecida por artistas e líderes comunitários:

  • Shirley Krenak: escritora e artista que destacou a conexão espiritual entre memória e território.
  • Lis Haddad: artista multidisciplinar que trouxe exemplos de como a arte pode transformar dor em resistência.
  • Christiane Tassis: roteirista do filme “Lavra”, que discutiu os processos criativos em contextos de luto coletivo.
  • Time’i Assurini: representante do Instituto Janeraka, que compartilhou experiências de resistência dos povos originários.

O encontro explorou como, a partir das cicatrizes deixadas por tragédias, emergem novas narrativas de força e luta. “Quando soterrados, viramos sementes” foi a frase que ecoou durante todo o evento, simbolizando o poder da arte em revitalizar memórias e inspirar ações transformadoras.

Mobilização coletiva: convocação para justiça

Ao final de janeiro, os esforços do Instituto culminaram em um grande ato público que mobilizou figuras de peso, como a deputada federal Luiza Erundina, jornalistas como Daniela Arbex e Cristina Serra, e artistas engajados. As presenças reafirmaram que a luta por justiça transcende fronteiras e exige o envolvimento de toda a sociedade.

As vozes das vítimas

O evento também deu espaço para os familiares das vítimas, que compartilharam relatos emocionantes. Suas histórias reforçaram a urgência de avanços nos processos judiciais e de políticas públicas que impeçam novas tragédias.


Paisagens Mineradas

Em fevereiro, encerramos a exposição “Paisagens Mineradas” com o debate “5 anos depois: futuros possíveis”. Este evento reuniu especialistas para refletir sobre o impacto duradouro da tragédia de Brumadinho e explorar caminhos para o futuro. A mesa abordou questões de responsabilização e a necessidade de mudanças estruturais para evitar novos desastres. As discussões apontaram para a importância de um engajamento contínuo da sociedade civil e políticas públicas que priorizem vidas e o meio ambiente.

Abril: conscientização e mobilização

No Dia Internacional do Livro Infantil, promovemos a leitura de obras que ensinam crianças sobre o valor da natureza. Livros como “A Terra dos Meninos Pelados”, de Graciliano Ramos, incentivam uma compreensão lúdica e crítica da relação humana com o ambiente.

Em 12 de abril, celebramos a marca de 50 mil assinaturas no Manifesto por Brumadinho, um movimento que demonstra o poder da mobilização coletiva. Seguimos firmes com a meta de 75 mil assinaturas, reforçando que a luta por justiça é uma jornada compartilhada.

Ainda em abril, destacamos o Dia Mundial da Arte, relembrando o impacto da exposição “Paisagens Mineradas” e como a arte pode ser uma ferramenta de conscientização sobre questões ambientais e sociais. A mostra abordou a problemática da mineração no Brasil, conectando memória, manifesto e resiliência.

A exposição trouxe obras de dez artistas que transformaram o luto em resistência, usando a arte para homenagear as vítimas da tragédia de Brumadinho e denunciar os impactos ambientais e sociais da mineração exploratória. Como cocuradora, Isadora Canela destacou que “paisagens mineradas são paisagens entrecortadas, de entranhas expostas”, uma metáfora que traduz o caráter destrutivo dessas práticas.

Os trabalhos apresentados não se limitaram a um olhar sobre o passado. Ao contrário, eles questionaram nosso presente e desafiaram os visitantes a imaginar futuros possíveis, nos quais a justiça ambiental e social ocupam o centro das decisões econômicas e políticas.

No dia 19 de abril, o Instituto Camila e Luiz Taliberti celebrou o Dia dos Povos Indígenas, destacando a resiliência e a luta desses povos por seus direitos e pela preservação ambiental. Em um momento crítico para o Brasil e o planeta, o episódio 7 da Série Taliba, produzido pelo Instituto, trouxe uma voz essencial: a ativista Sônia Guajajara, uma das principais lideranças indígenas do país.

Durante sua participação, Sônia Guajajara reforçou um ponto essencial: “Não há povo sem terra”. A frase ressoa profundamente na história e na luta dos povos indígenas desde a colonização do Brasil. Apesar dos avanços em termos de demarcação de territórios, os povos indígenas ainda enfrentam uma realidade desafiadora: invasões constantes por garimpeiros e madeireiros, destruição de recursos naturais e ameaças à sua existência.

A ativista destacou que a proteção do modo de vida indígena está intrinsecamente ligada à preservação ambiental. Os territórios indígenas, reconhecidos por sua biodiversidade e riqueza natural, são fundamentais para o equilíbrio climático global e para a manutenção de ecossistemas saudáveis.

Maio: educação e sustentabilidade

O debate sobre o Projeto de Lei 1.303/2019, que propõe a obrigatoriedade de planos de gerenciamento de riscos em atividades mineradoras, foi destaque. Com aprovação em comissões importantes, o PL caminha para transformar a gestão ambiental no Brasil, prevenindo tragédias e promovendo a sustentabilidade. Este tema, amplamente debatido, foi uma oportunidade para engajar nosso público com informações disponíveis no nosso Acervo Memória e Impactos da Mineração.

Celebramos o Dia das Mães com uma homenagem sensível à presidente do ICLT, Helena Taliberti. Este dia, para ela, é carregado de saudade e força, sendo um lembrete do amor eterno por Camila e Luiz, vítimas da tragédia de Brumadinho. Helena transformou sua dor em energia para lutar pela justiça e pela memória, destacando o papel das mães como ativistas e guardiãs da mudança. Sua trajetória inspira a todos nós a seguir em frente, apesar das adversidades.

Alertas importantes

No meio do ano, um estudo alarmante da Embrapa revelou as projeções catastróficas das mudanças climáticas para a agricultura e economia brasileira. Com retrações previstas no PIB real e impactos graves para a segurança alimentar, o estudo reforçou a urgência de ações climáticas efetivas.

Também noticiamos o rompimento parcial da Barragem 14 de Julho, no Rio Grande do Sul, que expôs novamente os perigos da falta de infraestrutura e preparo para desastres naturais. 

A barragem 14 de Julho, utilizada para a geração de energia elétrica, sofreu um rompimento parcial devido às chuvas intensas que atingiram a região. Esse incidente gerou um alerta imediato da Defesa Civil, que orientou os moradores de cidades próximas, como Santa Tereza, Muçum, Roca Sales, Arroio do Meio, Encantado, Colinas e Lajeado, a deixarem suas casas e procurarem refúgio em áreas elevadas.

As autoridades indicaram que o Rio Taquari, na região impactada, poderia sofrer elevações críticas em seu nível de água, colocando em risco vidas e causando impactos socioambientais. Apesar das evacuações preventivas, o temor de um rompimento total gerou um clima de apreensão e urgência.

Além disso, reforçamos nosso compromisso com os direitos dos povos indígenas, ecoando a voz de lideranças como Sônia Guajajara em nossa websérie Taliba. A parceria com ativistas indígenas é essencial para promover uma transição justa e proteger os territórios ameaçados.

No Rio Grande do Sul, uma tragédia climática expôs a urgência de ações preventivas e de adaptação às mudanças climáticas. O ICLT não apenas mobilizou doações para ajudar as comunidades afetadas, mas também reforçou o debate sobre políticas públicas mais robustas e investimentos em infraestrutura resiliente. A solidariedade dos brasileiros ficou clara e evidente, com doações que ultrapassaram R$ 108 milhões, um exemplo de coletividade em ação.

Encontro da Rede Conexão Povos da Floresta

Em Alter do Chão (PA), o primeiro encontro presencial da Rede Conexão Povos da Floresta reuniu líderes comunitários, parceiros e representantes governamentais. O ICLT marcou presença, celebrando um ano de avanços e discutindo os próximos passos para fortalecer os direitos das populações tradicionais e preservar a biodiversidade.

Também destacamos a importância do consumo consciente, especialmente no setor de e-commerce. Embalagens sustentáveis e processos de produção menos impactantes foram debatidos como soluções essenciais para reduzir resíduos e emissões. O ICLT incentivou empresas e consumidores a adotar práticas que priorizem a sustentabilidade, reforçando nosso compromisso com um futuro mais verde.

Em 2024, a tramitação da PL 1940, que busca impor penalidades ainda mais severas para mulheres vítimas de estupro que optam pelo aborto, reacendeu o debate sobre os direitos reprodutivos no Brasil. A proposta gerou indignação e mobilização por parte de organizações de direitos humanos. Especialistas, como a Dra. Marcela Bernardi, associada ao ICLT, destacaram que tal endurecimento das leis não apenas intensifica o sofrimento das vítimas, mas também perpetua uma grave injustiça, ao passo que os estupradores frequentemente permanecem impunes. Além disso, estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS) reforçam que restringir o acesso ao aborto seguro não reduz sua ocorrência, mas sim amplia os riscos à saúde das mulheres, especialmente daquelas em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

Primeiro semestre de 2024 registra recorde de queimadas no Pantanal

Falamos também dos incêndios no Pantanal, que enfrentou um dos períodos mais terríveis de sua história recente, superando até os incêndios catastróficos de 2020. 

Com mais de 95% dos focos de fogo originados por ações humanas, como queimadas ilegais para abertura de pastos, e agravados pela seca extrema, a situação revelou falhas estruturais nas políticas públicas. 

A falta de fiscalização ambiental e cortes no orçamento destinado ao combate aos incêndios resultaram em perdas irreparáveis para a biodiversidade e sérios prejuízos às comunidades locais. Este cenário reforçou o apelo por ações urgentes, como a implementação de políticas mais rígidas e o fortalecimento das ONGs que atuam na proteção do bioma.

Eventos importantes

No meio do ano, dois eventos de grande relevância chamaram atenção. Entre os dias 22 e 25 de julho, ocorreu a segunda edição da Mostra Cinema, Mineração e Meio Ambiente, em São Paulo. A mostra trouxe filmes importantes e inéditos, seguidos por rodas de conversa que promoveram reflexões sobre o impacto da mineração no meio ambiente e nas comunidades.

Tragédias como os rompimentos de barragens em Mariana e Brumadinho são exemplos emblemáticos de como práticas irresponsáveis, guiadas pela busca incessante por lucros, podem resultar em desastres ambientais e humanitários de proporções devastadoras.

É nesse contexto que a Mostra cumpre um papel. Ao dar visibilidade às histórias das pessoas impactadas e aos danos ambientais causados, o evento amplia a conscientização sobre a urgência dessas ações.

O cinema, ao capturar as complexidades do mundo real, oferece uma oportunidade única para refletir sobre os desafios sociais e ambientais. Durante a Mostra, filmes inéditos foram seguidos por rodas de conversa que reuniram especialistas, ativistas e o público em um diálogo aberto e plural. Essas discussões foram além da superfície, abordando temas como a injustiça ambiental, a necessidade de reparação às vítimas e o papel das políticas públicas na prevenção de novas tragédias.

A arte revelou-se uma ponte entre o conhecimento técnico e a emoção humana, capaz de sensibilizar até mesmo aqueles distantes da realidade enfrentada pelas comunidades impactadas. Como resultado, o evento gerou um espaço seguro e construtivo, onde o público pôde não apenas aprender, mas também engajar-se de forma mais profunda com a causa.

A Mostra Cinema, Mineração e Meio Ambiente não é apenas um evento cultural, mas uma convocação para a ação. Em um país onde os recursos naturais são explorados a um custo humano e ecológico altíssimo, eventos como esse são essenciais para promover mudanças estruturais.

O documentário “Ode ao Choro”, dirigido por Cecília Engels, abriu o evento com uma narrativa sensível sobre luto e superação, inspirada na perda de sua amiga, Camila Taliberti, em Brumadinho. A exibição foi seguida por uma roda de conversa mediada por Helena Taliberti, que trouxe comentários de especialistas como a psiquiatra Natália Timerman e o integrador Plínio Cutait.

O debate abordou como a arte pode ser uma ferramenta poderosa para processar o luto, destacando a necessidade de criar rituais que ajudem a transformar dor em significado. Também foram discutidos os impactos da mineração na saúde mental das comunidades afetadas, com participações do público que trouxeram perspectivas emocionantes sobre o trauma coletivo e a resiliência.

O segundo dia apresentou os filmes “Solastalgia”, de Lucas Bambozzi, e “Rejeito”, de Pedro de Filippis, que exploraram os impactos emocionais e ambientais da mineração.

Na roda de conversa “Rota de Fuga”, liderada por Maria Teresa Corujo, ativista ambiental, e Randal Fonseca, gestor de desastres, questões como a negligência no gerenciamento de rejeitos e a ameaça constante às comunidades foram intensamente debatidas.

Maria Teresa ressaltou o papel da conscientização em alcançar um público além dos já impactados, enquanto Lucas Bambozzi refletiu sobre a capacidade da arte de criar diálogos transformadores em contextos de tragédia.

Os impactos da contaminação de rejeitos em rios e terras, como no caso do Paraopeba, também foram detalhados, evidenciando a urgência de políticas ambientais mais rigorosas.

O documentário “Sociedade de Ferro”, de Eduardo Rajabally, ancorado pela poesia de Carlos Drummond de Andrade, abordou as relações entre mineradoras e o poder público em Minas Gerais.

Na mesa de debate “Lucro a Qualquer Preço”, mediada pela artista Isadora Canela, o diretor Eduardo Rajabally e a ativista Amanda Costa discutiram a conexão entre mineração, capitalismo corporativo e injustiça climática.

Amanda trouxe uma perspectiva crítica sobre a exclusão de vozes periféricas nas esferas de poder e destacou a necessidade de criar narrativas inclusivas. Rajabally enfatizou como as práticas capitalistas moldam o comportamento social e contribuem para a perpetuação de tragédias.

A discussão revelou como o capitalismo corporativo e o descaso regulatório afetam diretamente as comunidades locais, ressaltando a urgência de mudanças estruturais.

O último dia contou com a exibição de “Vidas Barradas, 5 anos depois”, que revisitou as consequências da tragédia de Brumadinho, uma das maiores catástrofes socioambientais do Brasil.

A mesa de debate “Depois das Tragédias”, com Julia Neiva, da Conectas Direitos Humanos, Marina Oliveira, do MAM, e Maurício Angelo, do Observatório da Mineração, trouxe reflexões sobre reparação e justiça.

Marina destacou sua “conversão ambiental” e a descoberta da natureza como um espaço de disputa política e econômica. Julia Neiva reforçou o papel da memória e do cinema como resistência, enquanto Maurício Angelo alertou para o discurso contraditório da mineração, que muitas vezes mascara a negligência e a ganância.

A discussão também abordou os desafios enfrentados pelas comunidades afetadas, como a contaminação do Rio Paraopeba, a perda de terras cultiváveis e a precariedade econômica.

Em julho, participamos da Festa Literária Pirata das Editoras Independentes (Flipei), realizada pela primeira vez em São Paulo. Durante o evento, que reuniu autores, editoras e leitores em uma celebração à literatura independente, o Instituto Camila e Luiz Taliberti marcou presença em uma roda de conversa que explorou o papel da arte e da palavra na conscientização social.

Esse espaço foi uma oportunidade para discutirmos temas fundamentais como direitos humanos, justiça social e preservação ambiental, que fazem parte do propósito do Instituto. 

5 anos da criação do Instituto Camila e Luiz Taliberti

Ainda em julho, comemoramos o marco de cinco anos do Instituto Camila e Luiz Taliberti (ICLT). Fundado em memória de Camila e Luiz, vítimas do rompimento da barragem em Brumadinho em 2019, o instituto destacou sua trajetória de luta pela preservação ambiental e pelos direitos humanos. Nesse período, o ICLT consolidou-se como uma fonte essencial de informação sobre mineração no Brasil e um catalisador de ações educativas e de sensibilização pela memória das vítimas dessa tragédia.

Perigo de novas barragens

Compartilhamos um alerta sobre os perigos de um possível rompimento de barragem em Ouro Preto, Minas Gerais. Após a identificação de fissuras em sua estrutura, a barragem entrou em situação de risco, levantando preocupações sobre uma tragédia iminente que poderia causar sérios impactos ambientais e sociais. Este caso reforçou a necessidade urgente de fiscalização rigorosa e de ações preventivas para evitar desastres como o de Brumadinho e Mariana, que marcaram o Brasil nos últimos anos.

Adaptação às mudanças climáticas

Em agosto, falamos da sanção de um novo plano de adaptação às mudanças climáticas, marcando um avanço significativo no combate aos efeitos da crise climática. Este plano não apenas garantiu a destinação de recursos públicos para mitigar impactos ambientais e sociais, mas também buscou preparar comunidades vulneráveis para enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas. A medida foi celebrada como um compromisso essencial para proteger as populações mais afetadas.

Um encontro icônico com Maria da Penha

Em agosto, Helena teve a oportunidade de conhecer pessoalmente Maria da Penha, ícone da luta contra a violência doméstica no Brasil. 

O encontro aconteceu durante um evento organizado pelo movimento @juntaspormariadapenha, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), marcando os 18 anos da promulgação da Lei Maria da Penha, um marco na defesa dos direitos das mulheres e na proteção contra a violência de gênero.

Maria da Penha se tornou símbolo da luta contra a violência doméstica por sua trajetória de resiliência e coragem diante de um sistema que por muito tempo negligenciou a proteção das mulheres. Durante 23 anos, ela sofreu agressões e duas tentativas de homicídio por parte de seu então marido. Em 1983, um disparo de arma de fogo feito por ele a deixou paraplégica. Meses depois, ele tentou assassiná-la novamente, desta vez por afogamento e eletrocussão.

Apesar da gravidade dos crimes, o agressor enfrentou uma morosa batalha judicial, sendo condenado apenas 19 anos após os ataques e cumprindo dois anos em regime fechado – uma pena que ilustra as falhas do sistema judiciário brasileiro à época.

Cansada da impunidade, Maria da Penha buscou justiça internacional, denunciando o Brasil à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). A condenação internacional por negligência e omissão no combate à violência contra a mulher marcou um ponto de virada, pressionando o país a tomar medidas efetivas para proteger as mulheres.

O legado de Maria da Penha não está apenas na lei que leva seu nome, mas na inspiração que ela representa para mulheres de todo o Brasil e do mundo. Sua luta incansável trouxe visibilidade a um problema historicamente silenciado e continua a mobilizar esforços pela erradicação da violência de gênero.

O encontro de Helena com Maria da Penha foi mais do que um momento de celebração. Foi uma oportunidade de reafirmar o compromisso do Instituto Camila e Luiz Taliberti com os direitos humanos e a igualdade de gênero. 

Arte, justiça e meio ambiente 

Entre os dias 5 de setembro e 5 de outubro, a exposição “Paisagens Mineradas: Marcas no Corpo-Território” trouxe à cidade de Belém, no Pará, uma reflexão profunda sobre os impactos da mineração no meio ambiente e nas comunidades. Com obras de 11 artistas mulheres, a mostra explorou as conexões entre memória, corpo e paisagem, destacando como a exploração mineral deixa marcas tanto nos territórios quanto nos indivíduos.

A exposição ofereceu um espaço único para debater a relação entre arte, justiça social e justiça ambiental, aproximando o público das realidades vividas por populações diretamente impactadas pela mineração.

Logo na abertura, rodas de conversa reuniram artistas, ativistas e comunidades para dialogar sobre os efeitos negativos da mineração e as possibilidades de resistência. Os debates enfatizaram como a exploração mineral, enquanto motor econômico, tem um custo alto.

Participações como a do Quilombo Gibrié, que levou suas memórias e vivências para o espaço, tornaram os diálogos ainda mais potentes e humanos. Ao compartilhar relatos sobre a luta pela preservação de suas terras e tradições, os representantes do quilombo contribuíram para uma compreensão mais ampla e sensível da relação entre corpo, território e identidade.

Arte para reflexão e transformação

Além das obras visuais, a exposição incluiu performances e oficinas educativas, que envolveram o público em experiências imersivas. As performances destacaram o corpo como território de luta e memória, enquanto as oficinas promoveram debates interativos e sensibilizaram os visitantes para a urgência de ações coletivas em defesa do meio ambiente.

As peças expostas, por sua vez, ecoaram os impactos viscerais da mineração – tanto os visíveis, na devastação ambiental, quanto os invisíveis, nas dores e traumas vividos pelas pessoas atingidas. 

Um dos destaques da mostra foi o lançamento do livro de memórias da exposição, que documenta relatos, reflexões e imagens das diversas edições de “Paisagens Mineradas”. O livro não é apenas um registro do evento, mas um instrumento de preservação das histórias das comunidades impactadas pela mineração.

Reunindo vozes de artistas, ativistas e representantes de comunidades, a publicação celebra a força da resistência coletiva e reforça a importância de preservar a memória como ferramenta de luta. A obra também convida os leitores a refletirem sobre seu papel na construção de um futuro mais justo e sustentável, onde territórios e identidades sejam respeitados e protegidos.

Belém foi palco de uma exposição que não apenas expôs as cicatrizes deixadas pela mineração, mas também promoveu esperança e resistência. Ao encerrar suas portas, a mostra deixou como legado um convite para que todos nós continuemos a proteger as paisagens – sejam elas naturais ou humanas – que contam as histórias de quem somos e do mundo que queremos construir.

Ainda em setembro, participamos da Virada Cultural Amazônia de Pé, que promoveu a reflexão sobre os impactos negativos das mineradoras. A programação foi rica em performances, rodas de conversa e sessões de cinema, todas voltadas à sensibilização sobre a mineração predatória. 

Outro marco importante de setembro foi o início do julgamento do caso de Mariana, na Inglaterra. Indígenas Pataxó e Krenak abriram a audiência clamando por justiça para as vítimas da tragédia de 2015, demonstrando que, mesmo quase uma década depois, a luta por responsabilização corporativa permanece urgente.

O julgamento na Inglaterra representa um marco por diversas razões. Primeiramente, trata-se de uma tentativa de responsabilizar a BHP Billiton, uma das maiores mineradoras do mundo, no território onde está registrada. Essa estratégia busca superar os desafios enfrentados no Brasil, onde a morosidade e a fragilidade do sistema judicial têm impedido avanços significativos na reparação das vítimas.

A defesa das comunidades atingidas argumenta que a BHP sabia dos riscos iminentes de colapso da barragem e tinha consciência das consequências devastadoras, incluindo a perda de vidas humanas e os altos custos associados ao desastre. Durante a audiência, foi apresentado que a mineradora teria estimado previamente os possíveis danos e os custos econômicos de uma eventual tragédia, mas negligenciou a adoção de medidas preventivas.

Essa acusação levanta questões éticas e jurídicas importantes sobre a responsabilidade corporativa em desastres socioambientais e o papel das grandes empresas na proteção dos direitos humanos e do meio ambiente.

Memória e direitos ambientais

Entre os dias 23 e 27 de setembro, a LXVII Semana Jurídica da PUC Campinas reuniu grandes nomes do Direito para discutir o tema “Direito em Evolução: Reformas, Inovações e Impactos Sociais”. O evento, reconhecido como um dos mais importantes no meio jurídico, proporcionou um espaço enriquecedor para reflexões e trocas de experiências sobre as transformações e desafios do setor.

O ICLT marcou presença neste encontro por meio de advogada e voluntária, Lorena Serraglio, que trouxe uma abordagem única ao conectar questões jurídicas à justiça ambiental e aos direitos humanos. Ela destacou a relevância do empoderamento social na construção de um legado de memória, justiça e sustentabilidade, reafirmando os valores centrais do ICLT.

Em outubro, celebramos o início da requalificação da Praça Camila Taliberti, em São Paulo. Este projeto, realizado em parceria com o Conselho Participativo Municipal da Mooca, resgatou a memória de Camila ao criar um espaço inclusivo e comunitário. 

A praça, que carrega o nome de Camila Taliberti, vítima da tragédia de Brumadinho em janeiro de 2019, será transformada em um ambiente de convivência pensado para crianças, famílias e toda a comunidade local. O projeto prevê a instalação de um playground lúdico, um espaço de descanso para pais e mães, e um jardim arborizado, elementos que refletem valores como inclusão, coletividade e a valorização do meio ambiente – pautas pelas quais Camila sempre lutou.

A cerimônia de lançamento das obras contou com a presença de familiares de Camila, do subprefeito da região, representantes da comunidade e da empresa responsável pela execução do projeto. Este momento emocionante reforçou a importância de manter vivo o legado de Camila e de todas as vítimas de Brumadinho. Mais do que um memorial, a praça será um símbolo de esperança, um local onde as memórias se encontram com o presente e inspiram o futuro.

Por fim, encerramos o ano com a inauguração da exposição “Paisagens Mineradas: Marcas no Corpo-Território” no histórico Museu da Inconfidência, em Ouro Preto. Esse momento marcou o encerramento de 2024 com chave de ouro, ao trazer um diálogo entre memória e transformação em uma cidade profundamente conectada à história da mineração no Brasil.

A chegada da exposição a Ouro Preto é simbólica. Cidade patrimônio da humanidade, seu passado está intrinsecamente ligado à mineração, e agora se torna palco para reflexões sobre os impactos da atividade no corpo, na memória e no meio ambiente. “Paisagens Mineradas” é uma resposta sensível às tragédias como os rompimentos das barragens em Mariana e Brumadinho.

O mês de novembro, quando a exposição foi inaugurada, marcou os 9 anos da tragédia de Mariana, reforçando a necessidade de novas narrativas para que desastres como esses não se repitam. Mais do que uma homenagem às vítimas humanas e não humanas, “Paisagens Mineradas” é um convite à resiliência e à esperança:

“Nessa lama vermelho-sangue, semeamos vida. Quando soterradas, viramos sementes.”

Cada peça em exibição dialoga com os territórios atingidos, transformando o luto em luta e memória em mobilização.

A exposição apresenta as obras de 12 mulheres artistas, que através de diversas linguagens visuais — fotografia, pintura, vídeo e instalações — lançam um olhar sensível e crítico sobre a devastação provocada pela mineração. Cada obra se transforma em uma voz, um grito por justiça ambiental e social.

Ao longo de 2024, o Instituto Camila e Luiz Taliberti reforçou o compromisso com a memória, a justiça social e a proteção do meio ambiente. Estivemos juntos em atos, exposições, debates e mobilizações, sempre cultivando a semente da transformação que tanto acreditamos.

Que o novo ano traga mais união, mais sementes plantadas e mais vozes ecoando em defesa da vida e do planeta. Que possamos, juntos, continuar essa jornada de memória, respeito e transformação.

O Instituto Camila e Luiz Taliberti agradece a cada voluntário, apoiador, parceiro e seguidor que fez parte da nossa caminhada em 2024. É por vocês e com vocês que seguimos firmes.

Desejamos um 2025 de justiça, solidariedade e esperança. Vamos continuar semeando o futuro, pois juntos, somos sementes!